Parte IV
Significado
Definição
Há muitas formas de explicar o significado de uma palavra. Às vezes podemos fazê-lo com um exemplo, ou contando uma história, ou por muitos outros modos. Mas uma forma muito importante de expressar o significado de uma palavra é definindo-a. Quando uma palavra é definida, são fornecidas algumas outras palavras que conjuntamente têm o mesmo significado que a palavra a definir. Por exemplo, podemos definir a palavra «irmão» usando as palavras «homem gerado pelos mesmos pais», isto é, o significado da palavra «irmão» é igual por definição ao significado das palavras «homem gerado pelos mesmos pais».
Definições descritivas
Uma tal definição é o relato do significado habitual duma palavra. A estas definições chamaremos adequadamente «definições descritivas». Se uma definição descritiva é adequada, então poderemos substituir a palavra definida pelas palavras que a definem na maior parte das proposições sem alterar o significado da proposição. Por exemplo, atenta na proposição
O irmão da Joana herdará o dinheiro.
Como a palavra «irmão» pode ser definida como «homem gerado pelos mesmos pais», podemos substituir a primeira pelas últimas na proposição anterior e obter
O homem gerado pelos mesmos pais que Joana herdará o dinheiro.
que é equivalente em significado à primeira. É muito fácil ver porque esta substituição não altera o significado de uma proposição. Se a única mudança que fazemos numa proposição é substituir uma palavra na proposição por outras que têm o mesmo significado, então esperamos que o significado de uma proposição não se altere.
Contudo, há um caso em que a substituição de uma palavra numa proposição pela sua definição alterará o significado da proposição. A filosofia está cheia de surpresas. Por exemplo, na proposição verdadeira
A palavra «irmão» tem cinco letras.
a palavra «irmão» ocorre dentro de aspas, com a finalidade de afirmar algo acerca da palavra «irmão», em vez de acerca de irmão. Nos casos em que uma palavra ocorre dentro de aspas, podemos mudar o significado da proposição ao substituir a palavra que ocorre dentro das aspas por outras palavras, mesmo se essas palavras são iguais por definição à palavra original. Por exemplo, se substituímos «irmão» por «homem gerado pelos mesmos pais» na proposição acima, obtemos
A palavra «homem gerado pelos mesmos pais» tem cinco letras.
que é falsa e difere em significado do original. Portanto não devemos substituir uma palavra pela sua definição quando a palavra ocorre dentro aspas.
Definições e mundos possíveis
Como é que podemos testar a correcção das definições descritivas? Repara que o termo «irmão» é igual por definição a «homem gerado pelos mesmos pais» precisamente no caso de a proposição
Algo é um irmão se e só se é um «homem gerado pelos mesmos pais».
ser analítica ou logicamente necessária. Isto é, a definição é correcta apenas quando não há nenhum mundo possível com um irmão que não é um «homem gerado pelos mesmos pais» ou vice-versa. Adoptámos um procedimento para decidir se certas coisas são logicamente impossíveis, nomeadamente, o método dos contra-exemplos ou a consideração dos mundos possíveis. Empregamos o mesmo método para testar definições descritivas. Dissemos anteriormente que concluiremos a título experimental que uma proposição é logicamente impossível se, após reflexão cuidadosa, não podermos pensar em nenhum mundo possível no qual seja verdadeira. Analogamente, concluiremos aqui a título experimental que uma definição é satisfatória se, após reflexão cuidadosa, não podermos pensar em nenhum mundo possível no qual a palavra definida se aplique correctamente a algo e as palavras que a definem não, ou vice-versa. Quando podemos pensar num tal mundo possível, então encontrámos um contra-exemplo da alegada definição, que mostra que não temos uma definição descritiva adequada. Se não pudermos encontrar um tal mundo possível, então podemos encarar a definição como inocente até prova em contrário.
Um ou dois exemplos ajudarão a tornar isto mais claro. Não conseguiremos encontrar nenhum mundo possível com uma pessoa que é um irmão mas não é um «homem gerado pelos mesmos pais», ou vice-versa. Portanto, a definição está correcta. Supõe, no entanto, que alguém insensatamente alega que podemos definir «irmão» simplesmente como «gerado pelos mesmos pais». A expressão «gerado pelos mesmos pais» aplica-se a muitas pessoas a quem o termo «irmão» não se aplica; nomeadamente, a todas as mulheres geradas pelos mesmos pais. Assim temos muitos contra-exemplos para esta definição. Quando uma definição é defeituosa, quando o termo definido não se aplica a algo a que os termos que o definem se aplica, como no caso agora examinado, então diz-se que a definição é demasiado ampla. Por outro lado, se alguém alega que podemos definir «irmão» como «homem casado gerado pelos mesmos pais», de modo que os termos definidores não se aplicam às coisas às quais o termo definido se aplica — nomeadamente, irmãos não casados —então diz-se que a alegada definição é demasiado estrita.
Uma definição pode ter o defeito infeliz de ser igualmente demasiado ampla e demasiado estrita. Por exemplo, se alguém sugere que definamos «irmão» como «o décimo filho gerado pelos mesmos pais», então esta definição será imediatamente demasiado estrita e demasiado ampla. Obviamente a definição é demasiado estrita porque alguns irmãos não são o décimo filho gerado pelos mesmos pais. Contudo, a definição é também certamente demasiado ampla, visto que, seja o que for que aconteça, é pelo menos possível que o décimo filho gerado pelos mesmos pais seja do sexo feminino e por isso não seja um irmão. Lembra-te de que para fornecer um contra-exemplo, precisamos de encontrar um exemplo num mundo logicamente possível. O exemplo não precisa de ser algo do mundo real. Assim, a definição de «irmão» como «o décimo filho gerado pelos mesmos pais» é igualmente demasiado ampla e demasiado estrita. Uma definição descritiva é aquela que não é nem demasiado ampla nem demasiado estrita.
Definições estipulativas
Um segundo género de definição, que não deve ser confundido com as definições descritivas, tem um papel de relevo na bibliografia filosófica. Este género de definição não pretende ser uma descrição precisa do uso real. Em vez disso, estipula um uso especial ou técnico. Às vezes, é conveniente e produtivo usar uma palavra de uma forma técnica para precisão ou clarificação. Nesses casos, podemos simplesmente estipular o significado especial atribuído à palavra. Chamamos às definições deste género estipulativas.
Quase todos os livros técnicos empregam definições estipulativas. Um livro de química define «mistura» e «solução» de forma técnica porque é útil proceder assim em química. Definimos «validade» de forma técnica porque é útil fazê-lo para os nossos propósitos. Desde que não sejam confundidas com as definições descritivas, as definições estipulativas são convenções perfeitamente legítimas e úteis. É importante reconhecer que não se pode produzir um contra-exemplo de uma definição estipulativa. Quando uma pessoa estipula que vai definir um termo de certa forma — por exemplo, se estipula que vai definir «linha recta» como «a trajectória da luz» — então isso é o que ela entende pelo termo «linha recta». Por intermédio da sua estipulação, o termo definido e os termos que o definem aplicam-se exactamente às mesmas coisas. Não há contra-exemplos das definições estipulativas. É manifesto que a estipulação é um expediente conveniente.
A falácia da redefinição: um abuso da estipulação
Uma forma de utilizar incorrectamente as definições estipulativas num argumento é tão vulgar e falaciosa que merece uma referência especial. A técnica consiste em tornar verdadeiras e analíticas algumas proposições controversas, estipulando uma definição para um termo-chave e depois alegando ter mostrado que a proposição original é verdadeira. Quando isto acontece, está-se a disfarçar uma definição estipulativa de definição descritiva. Referir-nos-emos a este procedimento duvidoso como a falácia da redefinição.
Eis um exemplo desta falácia. Os filósofos discutiram a tese segundo a qual todo o acontecimento tem uma causa. Os defensores desta tese são conhecidos como deterministas. Supõe que um determinista afirma que todo acontecimento tem uma causa definindo primeiro a palavra «acontecimento» como «ocorrência tendo uma causa» e depois concluindo que cada acontecimento tem uma causa. Esta estratégia dificilmente enganaria alguém. O determinista, ao estipular um significado para a palavra «acontecimento», mudou o significado da tese controversa. Do modo que usa a palavra «acontecimento», a tese reduz-se por substituição à proposição trivialmente verdadeira de que toda a ocorrência tendo uma causa tem uma causa. Isto dificilmente pode ser objecto de controvérsia.
O antídoto para este procedimento é mostrar que, ao mudar o significado da proposição, a definição estipulativa limitou-se a desviar a discussão da tese controversa em questão para uma verdade trivial que nunca esteve em causa.
Significado, definição e referência
Até agora, examinámos um aspecto da semântica, ou teoria do significado, nomeadamente, a definição. Contudo, para além da definição de uma palavra, é frequentemente importante considerar a sua referência. O significado e a referência não são o mesmo. Um termo pode ter um significado que poderemos ser capazes de definir mas que não se refere na realidade a nada que exista. Por exemplo, o termo «unicórnio» é um termo que podemos definir e que tem um significado mas, se não há unicórnios, então o termo «unicórnio» não se refere a nada que existe. Duas expressões que têm o mesmo significado, como «irmão» e «homem gerado pelos mesmos pais» referem-se aos mesmos objectos. Duas expressões podem, no entanto, referir-se aos mesmos objectos existentes, apesar de não terem o mesmo significado. Supõe que os seres humanos e apenas os seres humanos riem. Então as expressões «seres humanos» e «animal que ri» referem-se aos mesmos objectos, mesmo que as duas expressões difiram quanto ao significado.
Às vezes, uma disputa filosófica apoia-se na questão de saber se duas expressões se referem à mesma coisa quando diferem em significado. Considera a alegação de um materialista de que os acontecimentos mentais são acontecimentos cerebrais. Poderíamos ser tentados a objectar que as expressões «acontecimento mental» e «acontecimento cerebral» diferem em significado, mas este facto deixa ao materialista uma resposta pronta em termos da distinção entre significado e referência. O materialista responderia que as expressões «acontecimento mental» e «acontecimento cerebral» referem a mesma coisa embora difiram quanto ao significado. A questão de saber se, de facto, as duas expressões se referem à mesma coisa é controversa, e voltaremos a esta questão no capítulo 4. Aqui ficaremos satisfeitos em notar que a diferença de significado deixa aberta a questão de saber se os termos se referem aos mesmos objectos. As questões de identidade de referência vão para além das questões de significado e definição.
Implicação
É essencial nesta conjuntura introduzir um termo que ocorre muito frequentemente na literatura filosófica. É o termo «implicação». É usado num sentido técnico em filosofia para descrever uma relação entre proposições, e pode ser definido em termos da noção de validade. Dizer que uma ou mais proposições implica uma conclusão é equivalente a dizer que a conclusão se segue validamente dessas proposições. Mais precisamente «P implica Q» é idêntico por definição a «Q é validamente dedutível de P». Assim, por exemplo, as proposições
Se todas as pessoas são más, não se pode confiar em ninguém.Todas as pessoas são más.
juntas implicam a proposição
Não se pode confiar em ninguém.
porque a última é validamente dedutível da primeira. Por outro lado, a proposição
Todas as pessoas são más.
não implica
Não se pode confiar em ninguém
porque a última não é validamente dedutível da primeira. É pelo menos logicamente possível que se possa confiar nalgumas pessoas. Podemos imaginar um mundo possível em que isto é assim. Experimenta!
Os vários termos que introduzimos estão inter-relacionados de muitas formas. Podemos explorar algumas destas relações, enquanto elucidamos ao mesmo tempo melhor a noção de implicação, examinando as várias formas equivalentes como o termo «implica» pode ser definido. Pela investigação destas formulações equivalentes, seremos capazes de sumariar e talvez clarificar a discussão tida até ao momento.
As afirmações seguintes são formas equivalentes de definir implicação.
É logicamente impossível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa.
Não há nenhum mundo possível no qual as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa.
Seria contraditório afirmar que as premissas são verdadeiras e a conclusão falsa.
É logicamente necessário que se as premissas forem verdadeiras, a conclusão também seja verdadeira.
Em todos os mundos possíveis nos quais as premissas são verdadeiras, a conclusão é também verdadeira.
A proposição que afirma que se as premissas são verdadeiras, a conclusão é verdadeira é verdadeira e analítica.
Todas estas formas de definir o termo «implica» são equivalentes, dada a forma como definimos «logicamente impossível», «logicamente necessário», «contraditório» e «analítico». Seria um exercício útil para ti explicar precisamente por que razão isto é assim. Tenta.
Cornman, Lehrer e Pappas
Retirado de http://www.criticanarede.com/
Significado
Definição
Há muitas formas de explicar o significado de uma palavra. Às vezes podemos fazê-lo com um exemplo, ou contando uma história, ou por muitos outros modos. Mas uma forma muito importante de expressar o significado de uma palavra é definindo-a. Quando uma palavra é definida, são fornecidas algumas outras palavras que conjuntamente têm o mesmo significado que a palavra a definir. Por exemplo, podemos definir a palavra «irmão» usando as palavras «homem gerado pelos mesmos pais», isto é, o significado da palavra «irmão» é igual por definição ao significado das palavras «homem gerado pelos mesmos pais».
Definições descritivas
Uma tal definição é o relato do significado habitual duma palavra. A estas definições chamaremos adequadamente «definições descritivas». Se uma definição descritiva é adequada, então poderemos substituir a palavra definida pelas palavras que a definem na maior parte das proposições sem alterar o significado da proposição. Por exemplo, atenta na proposição
O irmão da Joana herdará o dinheiro.
Como a palavra «irmão» pode ser definida como «homem gerado pelos mesmos pais», podemos substituir a primeira pelas últimas na proposição anterior e obter
O homem gerado pelos mesmos pais que Joana herdará o dinheiro.
que é equivalente em significado à primeira. É muito fácil ver porque esta substituição não altera o significado de uma proposição. Se a única mudança que fazemos numa proposição é substituir uma palavra na proposição por outras que têm o mesmo significado, então esperamos que o significado de uma proposição não se altere.
Contudo, há um caso em que a substituição de uma palavra numa proposição pela sua definição alterará o significado da proposição. A filosofia está cheia de surpresas. Por exemplo, na proposição verdadeira
A palavra «irmão» tem cinco letras.
a palavra «irmão» ocorre dentro de aspas, com a finalidade de afirmar algo acerca da palavra «irmão», em vez de acerca de irmão. Nos casos em que uma palavra ocorre dentro de aspas, podemos mudar o significado da proposição ao substituir a palavra que ocorre dentro das aspas por outras palavras, mesmo se essas palavras são iguais por definição à palavra original. Por exemplo, se substituímos «irmão» por «homem gerado pelos mesmos pais» na proposição acima, obtemos
A palavra «homem gerado pelos mesmos pais» tem cinco letras.
que é falsa e difere em significado do original. Portanto não devemos substituir uma palavra pela sua definição quando a palavra ocorre dentro aspas.
Definições e mundos possíveis
Como é que podemos testar a correcção das definições descritivas? Repara que o termo «irmão» é igual por definição a «homem gerado pelos mesmos pais» precisamente no caso de a proposição
Algo é um irmão se e só se é um «homem gerado pelos mesmos pais».
ser analítica ou logicamente necessária. Isto é, a definição é correcta apenas quando não há nenhum mundo possível com um irmão que não é um «homem gerado pelos mesmos pais» ou vice-versa. Adoptámos um procedimento para decidir se certas coisas são logicamente impossíveis, nomeadamente, o método dos contra-exemplos ou a consideração dos mundos possíveis. Empregamos o mesmo método para testar definições descritivas. Dissemos anteriormente que concluiremos a título experimental que uma proposição é logicamente impossível se, após reflexão cuidadosa, não podermos pensar em nenhum mundo possível no qual seja verdadeira. Analogamente, concluiremos aqui a título experimental que uma definição é satisfatória se, após reflexão cuidadosa, não podermos pensar em nenhum mundo possível no qual a palavra definida se aplique correctamente a algo e as palavras que a definem não, ou vice-versa. Quando podemos pensar num tal mundo possível, então encontrámos um contra-exemplo da alegada definição, que mostra que não temos uma definição descritiva adequada. Se não pudermos encontrar um tal mundo possível, então podemos encarar a definição como inocente até prova em contrário.
Um ou dois exemplos ajudarão a tornar isto mais claro. Não conseguiremos encontrar nenhum mundo possível com uma pessoa que é um irmão mas não é um «homem gerado pelos mesmos pais», ou vice-versa. Portanto, a definição está correcta. Supõe, no entanto, que alguém insensatamente alega que podemos definir «irmão» simplesmente como «gerado pelos mesmos pais». A expressão «gerado pelos mesmos pais» aplica-se a muitas pessoas a quem o termo «irmão» não se aplica; nomeadamente, a todas as mulheres geradas pelos mesmos pais. Assim temos muitos contra-exemplos para esta definição. Quando uma definição é defeituosa, quando o termo definido não se aplica a algo a que os termos que o definem se aplica, como no caso agora examinado, então diz-se que a definição é demasiado ampla. Por outro lado, se alguém alega que podemos definir «irmão» como «homem casado gerado pelos mesmos pais», de modo que os termos definidores não se aplicam às coisas às quais o termo definido se aplica — nomeadamente, irmãos não casados —então diz-se que a alegada definição é demasiado estrita.
Uma definição pode ter o defeito infeliz de ser igualmente demasiado ampla e demasiado estrita. Por exemplo, se alguém sugere que definamos «irmão» como «o décimo filho gerado pelos mesmos pais», então esta definição será imediatamente demasiado estrita e demasiado ampla. Obviamente a definição é demasiado estrita porque alguns irmãos não são o décimo filho gerado pelos mesmos pais. Contudo, a definição é também certamente demasiado ampla, visto que, seja o que for que aconteça, é pelo menos possível que o décimo filho gerado pelos mesmos pais seja do sexo feminino e por isso não seja um irmão. Lembra-te de que para fornecer um contra-exemplo, precisamos de encontrar um exemplo num mundo logicamente possível. O exemplo não precisa de ser algo do mundo real. Assim, a definição de «irmão» como «o décimo filho gerado pelos mesmos pais» é igualmente demasiado ampla e demasiado estrita. Uma definição descritiva é aquela que não é nem demasiado ampla nem demasiado estrita.
Definições estipulativas
Um segundo género de definição, que não deve ser confundido com as definições descritivas, tem um papel de relevo na bibliografia filosófica. Este género de definição não pretende ser uma descrição precisa do uso real. Em vez disso, estipula um uso especial ou técnico. Às vezes, é conveniente e produtivo usar uma palavra de uma forma técnica para precisão ou clarificação. Nesses casos, podemos simplesmente estipular o significado especial atribuído à palavra. Chamamos às definições deste género estipulativas.
Quase todos os livros técnicos empregam definições estipulativas. Um livro de química define «mistura» e «solução» de forma técnica porque é útil proceder assim em química. Definimos «validade» de forma técnica porque é útil fazê-lo para os nossos propósitos. Desde que não sejam confundidas com as definições descritivas, as definições estipulativas são convenções perfeitamente legítimas e úteis. É importante reconhecer que não se pode produzir um contra-exemplo de uma definição estipulativa. Quando uma pessoa estipula que vai definir um termo de certa forma — por exemplo, se estipula que vai definir «linha recta» como «a trajectória da luz» — então isso é o que ela entende pelo termo «linha recta». Por intermédio da sua estipulação, o termo definido e os termos que o definem aplicam-se exactamente às mesmas coisas. Não há contra-exemplos das definições estipulativas. É manifesto que a estipulação é um expediente conveniente.
A falácia da redefinição: um abuso da estipulação
Uma forma de utilizar incorrectamente as definições estipulativas num argumento é tão vulgar e falaciosa que merece uma referência especial. A técnica consiste em tornar verdadeiras e analíticas algumas proposições controversas, estipulando uma definição para um termo-chave e depois alegando ter mostrado que a proposição original é verdadeira. Quando isto acontece, está-se a disfarçar uma definição estipulativa de definição descritiva. Referir-nos-emos a este procedimento duvidoso como a falácia da redefinição.
Eis um exemplo desta falácia. Os filósofos discutiram a tese segundo a qual todo o acontecimento tem uma causa. Os defensores desta tese são conhecidos como deterministas. Supõe que um determinista afirma que todo acontecimento tem uma causa definindo primeiro a palavra «acontecimento» como «ocorrência tendo uma causa» e depois concluindo que cada acontecimento tem uma causa. Esta estratégia dificilmente enganaria alguém. O determinista, ao estipular um significado para a palavra «acontecimento», mudou o significado da tese controversa. Do modo que usa a palavra «acontecimento», a tese reduz-se por substituição à proposição trivialmente verdadeira de que toda a ocorrência tendo uma causa tem uma causa. Isto dificilmente pode ser objecto de controvérsia.
O antídoto para este procedimento é mostrar que, ao mudar o significado da proposição, a definição estipulativa limitou-se a desviar a discussão da tese controversa em questão para uma verdade trivial que nunca esteve em causa.
Significado, definição e referência
Até agora, examinámos um aspecto da semântica, ou teoria do significado, nomeadamente, a definição. Contudo, para além da definição de uma palavra, é frequentemente importante considerar a sua referência. O significado e a referência não são o mesmo. Um termo pode ter um significado que poderemos ser capazes de definir mas que não se refere na realidade a nada que exista. Por exemplo, o termo «unicórnio» é um termo que podemos definir e que tem um significado mas, se não há unicórnios, então o termo «unicórnio» não se refere a nada que existe. Duas expressões que têm o mesmo significado, como «irmão» e «homem gerado pelos mesmos pais» referem-se aos mesmos objectos. Duas expressões podem, no entanto, referir-se aos mesmos objectos existentes, apesar de não terem o mesmo significado. Supõe que os seres humanos e apenas os seres humanos riem. Então as expressões «seres humanos» e «animal que ri» referem-se aos mesmos objectos, mesmo que as duas expressões difiram quanto ao significado.
Às vezes, uma disputa filosófica apoia-se na questão de saber se duas expressões se referem à mesma coisa quando diferem em significado. Considera a alegação de um materialista de que os acontecimentos mentais são acontecimentos cerebrais. Poderíamos ser tentados a objectar que as expressões «acontecimento mental» e «acontecimento cerebral» diferem em significado, mas este facto deixa ao materialista uma resposta pronta em termos da distinção entre significado e referência. O materialista responderia que as expressões «acontecimento mental» e «acontecimento cerebral» referem a mesma coisa embora difiram quanto ao significado. A questão de saber se, de facto, as duas expressões se referem à mesma coisa é controversa, e voltaremos a esta questão no capítulo 4. Aqui ficaremos satisfeitos em notar que a diferença de significado deixa aberta a questão de saber se os termos se referem aos mesmos objectos. As questões de identidade de referência vão para além das questões de significado e definição.
Implicação
É essencial nesta conjuntura introduzir um termo que ocorre muito frequentemente na literatura filosófica. É o termo «implicação». É usado num sentido técnico em filosofia para descrever uma relação entre proposições, e pode ser definido em termos da noção de validade. Dizer que uma ou mais proposições implica uma conclusão é equivalente a dizer que a conclusão se segue validamente dessas proposições. Mais precisamente «P implica Q» é idêntico por definição a «Q é validamente dedutível de P». Assim, por exemplo, as proposições
Se todas as pessoas são más, não se pode confiar em ninguém.Todas as pessoas são más.
juntas implicam a proposição
Não se pode confiar em ninguém.
porque a última é validamente dedutível da primeira. Por outro lado, a proposição
Todas as pessoas são más.
não implica
Não se pode confiar em ninguém
porque a última não é validamente dedutível da primeira. É pelo menos logicamente possível que se possa confiar nalgumas pessoas. Podemos imaginar um mundo possível em que isto é assim. Experimenta!
Os vários termos que introduzimos estão inter-relacionados de muitas formas. Podemos explorar algumas destas relações, enquanto elucidamos ao mesmo tempo melhor a noção de implicação, examinando as várias formas equivalentes como o termo «implica» pode ser definido. Pela investigação destas formulações equivalentes, seremos capazes de sumariar e talvez clarificar a discussão tida até ao momento.
As afirmações seguintes são formas equivalentes de definir implicação.
É logicamente impossível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa.
Não há nenhum mundo possível no qual as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa.
Seria contraditório afirmar que as premissas são verdadeiras e a conclusão falsa.
É logicamente necessário que se as premissas forem verdadeiras, a conclusão também seja verdadeira.
Em todos os mundos possíveis nos quais as premissas são verdadeiras, a conclusão é também verdadeira.
A proposição que afirma que se as premissas são verdadeiras, a conclusão é verdadeira é verdadeira e analítica.
Todas estas formas de definir o termo «implica» são equivalentes, dada a forma como definimos «logicamente impossível», «logicamente necessário», «contraditório» e «analítico». Seria um exercício útil para ti explicar precisamente por que razão isto é assim. Tenta.
Cornman, Lehrer e Pappas
Retirado de http://www.criticanarede.com/
Sem comentários:
Enviar um comentário