Mas antecipando-se a si, o homem descobre a morte como limite, e pode antecipar o vivê-la, o enfrentá-la. A morte surge assim como o último possível numa sequência de possíveis. E como a morte, sendo a última possibilidade, verdadeiramente única, em que o homem está só, ela representa a melhor prova de autenticidade. O homem é, pois, um ser-para-a-morte, por ser a morte o limite de uma cadeia de possíveis, e ainda porque o futuro nos esclarece o presente, nos determinamos não de hoje para amanhã, mas ao invés, já que o homem é antecipação de si. Como pode a morte encerrar-me as possibilidades, sendo eu uma possibilidade? Como atingir um limite, se o homem é o não limite? Mas independentemente da antecipada e secundária experiência que eu da morte possa fazer através dos conhecidos que morrem eu não vivo a morte como um dado, um traço que peça uma soma (porque eu não sou bem uma “soma”) mas justamente como possibilidade.
O homem inautêntico disfarça a morte, recolhendo-se à indiferença do “se”: morre-se. Morrem os outros, morrerei eu um dia, sim, mas não agora ainda. A certeza da morte é em tal caso uma pseudocerteza. A morte torna possível uma radical impossibilidade da realidade humana, porque o próprio da realidade humana é o “poder ser” e a morte anula esse “poder ser”, torna possível o impossível. Assumi-la, pois, é sermos autênticos. E porque essa autenticidade não importa ao facto exclusivo de morrermos, mas a tudo o que retrospectivamente daí se desencadeia, é no dia-a-dia que o homem autêntico enfrenta essa possibilidade.
A morte não é, portanto, algo de exterior a nós. É um limite que nos define em totalidade acabada. Que eu não saiba quando morrerei, que eu possa esperar não morrer nesta ou naquela situação, ainda que desesperada, nem por isso me é impossível conceber-me nos limites de uma totalidade finda.
Vergílio Ferreira
SARTRE, Jean-Paul; FERREIRA, Vergílio, O Existencialismo é um Humanismo, 2004. Lisboa: Bertrand Editora, pp. 71-74
O homem inautêntico disfarça a morte, recolhendo-se à indiferença do “se”: morre-se. Morrem os outros, morrerei eu um dia, sim, mas não agora ainda. A certeza da morte é em tal caso uma pseudocerteza. A morte torna possível uma radical impossibilidade da realidade humana, porque o próprio da realidade humana é o “poder ser” e a morte anula esse “poder ser”, torna possível o impossível. Assumi-la, pois, é sermos autênticos. E porque essa autenticidade não importa ao facto exclusivo de morrermos, mas a tudo o que retrospectivamente daí se desencadeia, é no dia-a-dia que o homem autêntico enfrenta essa possibilidade.
A morte não é, portanto, algo de exterior a nós. É um limite que nos define em totalidade acabada. Que eu não saiba quando morrerei, que eu possa esperar não morrer nesta ou naquela situação, ainda que desesperada, nem por isso me é impossível conceber-me nos limites de uma totalidade finda.
Vergílio Ferreira
SARTRE, Jean-Paul; FERREIRA, Vergílio, O Existencialismo é um Humanismo, 2004. Lisboa: Bertrand Editora, pp. 71-74
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