Existe para mim, de facto, a morte dos “outros”. Não a minha – nem como “experiência” (que a si mesma se destrói como experiência) nem como “espera”. Mas posso “vivê-la” como pura possibilidade – e a tonalidade afectiva da “angústia” é disso prova.
Sarte, jogando com um conceito de morte como de algo exterior a nós, adopta um “truque” do género do de Epicuro quando este reflectiu que o medo da morte era absurdo, já que enquanto vivos (não estando pois mortos…) a morte nos não atingiu ainda, e não devemos consequentemente temê-la; e quando mortos (porque estamos mortos) já a não podemos recear. Ao que, aliás poderíamos responder que não vale a pena pensarmos no futuro dos filhos, porque enquanto estamos vivos, podemos sustentá-los e depois de termos morrido já não constituem problema. Epicuro e Sartre, com efeito esquecem ou subestimam que é de dentro da vida que nós podemos pensar-nos para depois da morte, que é do lado de cá que nós podemos pensar seja o que for, e portanto também o lado de lá, que um raciocínio para o depois da morte tem de ser estabelecido paradoxalmente embora, enquanto estamos vivos, precisamente porque é o nosso raciocínio, que em suma, toda a reflexão sobre a morte é ambígua, porque nos implica a nós vivos para quando estivermos mortos. Não estaremos mortos: haverá apenas mortos. Assim sendo, é de um ponto de vista vida-morte que o limite da vida e a tragédia da morte se esclarecem.
Porque a morte não encerra a vida, já que o homem é constante pró-jecto, Sartre conclui pelo “absurdo” da morte e simultaneamente da vida que é uma “paixão inútil”: “se nós temos de morrer, a nossa vida não tem sentido, porque os seus problemas não recebem qualquer solução e porque até a significação dos problemas permanece indeterminada”. A que viria, pois, um problema de “autenticidade”? Para um critério ético da valoração, Sartre dir-se-ia apontar a um radical “pessimismo” que num Heidegger não é visível. No entanto sob outros aspectos, nós poderíamos concluir pela inversa. Dir-se-ia que, dada a in-significação da morte, Sartre faz reverter à vida, e só a ela, toda a problemática da vida-morte.
Vergílio Ferreira
SARTRE, Jean-Paul; FERREIRA, Vergílio, O Existencialismo é um Humanismo, 2004. Lisboa: Bertrand Editora, pp. 75-77
Sarte, jogando com um conceito de morte como de algo exterior a nós, adopta um “truque” do género do de Epicuro quando este reflectiu que o medo da morte era absurdo, já que enquanto vivos (não estando pois mortos…) a morte nos não atingiu ainda, e não devemos consequentemente temê-la; e quando mortos (porque estamos mortos) já a não podemos recear. Ao que, aliás poderíamos responder que não vale a pena pensarmos no futuro dos filhos, porque enquanto estamos vivos, podemos sustentá-los e depois de termos morrido já não constituem problema. Epicuro e Sartre, com efeito esquecem ou subestimam que é de dentro da vida que nós podemos pensar-nos para depois da morte, que é do lado de cá que nós podemos pensar seja o que for, e portanto também o lado de lá, que um raciocínio para o depois da morte tem de ser estabelecido paradoxalmente embora, enquanto estamos vivos, precisamente porque é o nosso raciocínio, que em suma, toda a reflexão sobre a morte é ambígua, porque nos implica a nós vivos para quando estivermos mortos. Não estaremos mortos: haverá apenas mortos. Assim sendo, é de um ponto de vista vida-morte que o limite da vida e a tragédia da morte se esclarecem.
Porque a morte não encerra a vida, já que o homem é constante pró-jecto, Sartre conclui pelo “absurdo” da morte e simultaneamente da vida que é uma “paixão inútil”: “se nós temos de morrer, a nossa vida não tem sentido, porque os seus problemas não recebem qualquer solução e porque até a significação dos problemas permanece indeterminada”. A que viria, pois, um problema de “autenticidade”? Para um critério ético da valoração, Sartre dir-se-ia apontar a um radical “pessimismo” que num Heidegger não é visível. No entanto sob outros aspectos, nós poderíamos concluir pela inversa. Dir-se-ia que, dada a in-significação da morte, Sartre faz reverter à vida, e só a ela, toda a problemática da vida-morte.
Vergílio Ferreira
SARTRE, Jean-Paul; FERREIRA, Vergílio, O Existencialismo é um Humanismo, 2004. Lisboa: Bertrand Editora, pp. 75-77
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