segunda-feira, 3 de outubro de 2016

VALIDADE E VERDADE

O termo “validade” tem em filosofia e lógica um significado especializado, diferente do seu significado popular. No dia-a-dia usa-se o termo “validade” para dizer que algo tem valor, que é interessante, que deve ser tido em consideração; assim, é comum dizer que uma dada afirmação é váliada. Contudo, do mesmo modo que “massa” em física não quer dizer esparguete e que “altura” em música não quer dizer volume – porque são termos especializados -, também em filosofia e lógica “validade” não quer dizer que algo tem valor. A validade é uma propriedade exclusiva dos argumentos; não se aplica, neste sentido especializado a afirmações. Por outro lado, a verdade é uma propriedade exclusiva das afirmações que compõem s argumentos – as premissas e a conclusão – mas não dos próprios argumentos. Não se pode, pois, dizer que um argumento é verdadeiro nem que uma afirmação é válida.
Como veremos, há dois tipos principais de validade: a dedutiva e a não-dedutiva. Vamos para já deter-nos na validade dedutiva, pois é a mais simples de compreender e a base para compreender a validade não-dedutiva. A validade dedutiva define-se do seguinte modo: um argumento dedutivo +e válido se, e só se, é impossível as suas premissas serem verdadeiras e a sua conclusão falsa. Esta definição está correcta, mas compreende-se melhor[1] se se disser que num argumento dedutivo válido é impossível as premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa, e se ao mesmo tempo se apresentar exemplos relevantes:
1.    Sócrates e Aristóteles eram gregos.
Logo, Sócrates era grego.
É intuitivamente óbvio que é impossível a premissa ser verdadeira e a conclusão falsa. É por isso que este argumento é dedutivamente válido. Claro que o tipo de argumentos dedutivamente válidos que interessam na argumentação, filosófica ou outra, são mais complexos do que este. E a validade não é uma condição suficiente para que um argumento seja bom apesar de ser uma condição necessária.
Não é fácil compreender a noção de validade porque esta implica a capacidade para pensar em probabilidades. Para já, importa desfazer algumas ideias falsas sobre a validade.
Em primeiro lugar, não basta que um argumento tenha premissas e conclusão verdadeiras para ser válido. Vejamos o seguinte argumento:
  1. Sócrates era um filósofo.
Logo, Kant era alemão. É intuitivamente óbvio que este argumento é inválido, apesar de a premissa e a conclusão serem verdadeiras. Intuitivamente, compreende-se porquê: porque não há qualquer conexão entre a premissa e a conclusão; isto é, porque o facto de a premissa ser verdadeira não tem qualquer relação com o faço da conclusão ser verdadeira. Esta ideia intuitiva de conexão pode ser usada para clarificar a noção de validade, recorrendo á referida analogia entre argumentos e correntes: quando s argumentos são válidos as premissas estão conectadas cm a conclusão. É por isso que o argumento acima é inválido: porque a premissa não está conectada com a conclusão.
Esta ideia de conexão torna-se real ao trabalhar com inspectores de circunstâncias. Em termos rigorosos, exprime-se esta conexão do seguinte modo: um argumento dedutivamente válido não há qualquer circunstância na qual as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. O problema com o argumento acima é que a conclusão é de facto verdadeira, mas não é verdadeira em todas as circunstâncias possíveis em que a premissa é verdadeira.
Um teste intuitivo que é imprescindível dominar é o seguinte: será possível imaginar uma circunstância em que as premissas de um argumento sejam verdadeiras e a conclusão falsa? Se for, o argumento é dedutivamente inválido; se não for, o argumento é válido. Este exercício é estimulante e uma boa base para a compreensão correcta da validade. Regressemos ao argumento 2; poderemos imaginar uma circunstância em que a premissa é verdadeira e a conclusão falsa? Sem dúvida que sim: Imagine-se que Kant tinha nascido em França; esta circunstância torna a conclusão falsa, mas é perfeitamente compatível com a premissa. É por isso que o argumento é inválido: é possível que a premissa seja verdadeira e a conclusão falsa – apesar de serem ambas, de facto, verdadeiras.
Outra propriedade dos argumentos válidos que gera confusões é a seguinte: Um argumento válido pode ter premissas e conclusões falsas. Vejamos um exemplo:
  1. Sócrates e Aristóteles eram egípcios.
Logo, Sócrates era egípcio.
Tanto a premissa como a conclusão são, de facto, falsas; mas o argumento é válido. É válido porque apesar de a premissa e a conclusão serem de facto falsas, é impossível que a premissa seja verdadeira e a conclusão falsa – e é isso que conta na validade dedutiva. Uma vez mais, levantam-se dificuldades porque a noção de validade exige que se pense não apenas nas coisas tal como são, mas nas coisas tal como poderiam ter sido. Ora, o argumento é válido precisamente porque as coisas não pod4eriam ter sido de tal maneira que a premissas fosse verdadeira e a conclusão falsa. É necessário procurar imaginar uma circunstância na qual a premissa seja verdadeira e a conclusão falsa – e não se consegue imaginar tal circunstância, pois não existe. Imagine-se que a premissa era verdadeira: que Sócrates e Aristóteles eram egípcios. Nesta circunstância, também a conclusão é verdadeira. Logo, o argumento é válido.
Em suma: um argumento dedutivo pode ser válido apesar de ter premissas e conclusões falsas; e pode ser inválido apesar de ter premissas e conclusões verdadeiras. Isto acontece porque a validade é uma propriedade da conexão entre as premissas e a conclusão, e não uma propriedade das próprias premissas e conclusões. Num argumento dedutivo válido só não pode acontecer o seguinte: que as suas premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Todas as outras hipóteses são possíveis. Por outro lado, num argumento inválido, tudo pode acontecer – precisamente porque não há qualquer conexão entre as premissas e a conclusão. Podemos assim elaborar a seguinte tabela:



Premissas verdadeiras
Premissas falsas
Conclusão verdadeira
Conclusão falsa
Válido ou inválido
Inválido
Válido ou inválido
Válido ou inválido

Exercícios
  1. O que é a validade dedutiva?
  2. Será que uma afirmação pode ser válida? Porquê?
  3. Será que um argumento pode ser verdadeiro? Porquê?
  4. Será que um argumento inválido pode ter uma conclusão verdadeira? Porquê?
  5. Poderá um argumento válido ter uma conclusão falsa? Porquê?
  6. Poderá um argumento válido com uma premissa falsa ter uma conclusão verdadeira? Porquê?
MURCHO, Desidério, O Lugar da Lógica na Filosofia, 2003. Lisboa: Plátano Editora, pp. 14-18



[1] Nomeadamente, porque só depois de estudar lógica proposicional se está em condições de compreender plenamente o que significa a expressão que tipicamente se usa nas definições: “se, e só se”.

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