O termo “validade” tem em
filosofia e lógica um significado especializado, diferente do seu significado
popular. No dia-a-dia usa-se o termo “validade” para dizer que algo tem valor,
que é interessante, que deve ser tido em consideração; assim, é comum dizer que
uma dada afirmação é váliada. Contudo, do mesmo modo que “massa” em física não
quer dizer esparguete e que “altura” em música não quer dizer volume – porque
são termos especializados -, também em filosofia e lógica “validade” não quer
dizer que algo tem valor. A validade é uma propriedade exclusiva dos
argumentos; não se aplica, neste sentido especializado a afirmações. Por outro
lado, a verdade é uma propriedade exclusiva das afirmações que compõem s
argumentos – as premissas e a conclusão – mas não dos próprios argumentos. Não
se pode, pois, dizer que um argumento é verdadeiro nem que uma afirmação é
válida.
Como veremos, há dois tipos
principais de validade: a dedutiva e a não-dedutiva. Vamos para já deter-nos na
validade dedutiva, pois é a mais simples de compreender e a base para
compreender a validade não-dedutiva. A validade dedutiva define-se do seguinte
modo: um argumento dedutivo +e válido se, e só se, é impossível as suas
premissas serem verdadeiras e a sua conclusão falsa. Esta definição está
correcta, mas compreende-se melhor[1]
se se disser que num argumento dedutivo válido é impossível as premissas serem verdadeiras
e a conclusão falsa, e se ao mesmo tempo se apresentar exemplos relevantes:
1.
Sócrates e Aristóteles eram gregos.
Logo, Sócrates era
grego.
É intuitivamente óbvio que é
impossível a premissa ser verdadeira e a conclusão falsa. É por isso que este
argumento é dedutivamente válido. Claro que o tipo de argumentos dedutivamente
válidos que interessam na argumentação, filosófica ou outra, são mais complexos
do que este. E a validade não é uma condição suficiente para que um argumento
seja bom apesar de ser uma condição necessária.
Não é fácil compreender a
noção de validade porque esta implica a capacidade para pensar em probabilidades.
Para já, importa desfazer algumas ideias falsas sobre a validade.
Em primeiro lugar, não basta
que um argumento tenha premissas e conclusão verdadeiras para ser válido.
Vejamos o seguinte argumento:
- Sócrates era um
filósofo.
Logo, Kant era alemão. É
intuitivamente óbvio que este argumento é inválido, apesar de a premissa e a
conclusão serem verdadeiras. Intuitivamente, compreende-se porquê: porque não
há qualquer conexão entre a premissa e a conclusão; isto é, porque o facto de a
premissa ser verdadeira não tem qualquer relação com o faço da conclusão ser
verdadeira. Esta ideia intuitiva de conexão pode ser usada para clarificar a
noção de validade, recorrendo á referida analogia entre argumentos e correntes:
quando s argumentos são válidos as premissas estão conectadas cm a conclusão. É
por isso que o argumento acima é inválido: porque a premissa não está conectada
com a conclusão.
Esta ideia de conexão
torna-se real ao trabalhar com inspectores de circunstâncias. Em termos rigorosos,
exprime-se esta conexão do seguinte modo: um argumento dedutivamente válido não
há qualquer circunstância na qual as premissas sejam verdadeiras e a conclusão
falsa. O problema com o argumento acima é que a conclusão é de facto
verdadeira, mas não é verdadeira em todas as circunstâncias possíveis em que a
premissa é verdadeira.
Um teste intuitivo que é
imprescindível dominar é o seguinte: será possível imaginar uma circunstância
em que as premissas de um argumento sejam verdadeiras e a conclusão falsa? Se
for, o argumento é dedutivamente inválido; se não for, o argumento é válido.
Este exercício é estimulante e uma boa base para a compreensão correcta da
validade. Regressemos ao argumento 2; poderemos imaginar uma circunstância em
que a premissa é verdadeira e a conclusão falsa? Sem dúvida que sim: Imagine-se
que Kant tinha nascido em França; esta circunstância torna a conclusão falsa,
mas é perfeitamente compatível com a premissa. É por isso que o argumento é
inválido: é possível que a premissa seja verdadeira e a conclusão falsa –
apesar de serem ambas, de facto,
verdadeiras.
Outra propriedade dos argumentos
válidos que gera confusões é a seguinte: Um argumento válido pode ter premissas
e conclusões falsas. Vejamos um exemplo:
- Sócrates e
Aristóteles eram egípcios.
Logo,
Sócrates era egípcio.
Tanto a premissa como a
conclusão são, de facto, falsas; mas o argumento é válido. É válido porque apesar
de a premissa e a conclusão serem de facto falsas, é impossível que a premissa
seja verdadeira e a conclusão falsa – e é isso que conta na validade dedutiva.
Uma vez mais, levantam-se dificuldades porque a noção de validade exige que se
pense não apenas nas coisas tal como são, mas nas coisas tal como poderiam ter
sido. Ora, o argumento é válido precisamente porque as coisas não pod4eriam ter
sido de tal maneira que a premissas fosse verdadeira e a conclusão falsa. É
necessário procurar imaginar uma circunstância na qual a premissa seja verdadeira
e a conclusão falsa – e não se consegue imaginar tal circunstância, pois não
existe. Imagine-se que a premissa era verdadeira: que Sócrates e Aristóteles
eram egípcios. Nesta circunstância, também a conclusão é verdadeira. Logo, o
argumento é válido.
Em suma: um argumento
dedutivo pode ser válido apesar de ter premissas e conclusões falsas; e pode
ser inválido apesar de ter premissas e conclusões verdadeiras. Isto acontece porque
a validade é uma propriedade da conexão entre as premissas e a conclusão, e não
uma propriedade das próprias premissas e conclusões. Num argumento dedutivo
válido só não pode acontecer o seguinte: que as suas premissas sejam verdadeiras
e a conclusão falsa. Todas as outras hipóteses são possíveis. Por outro lado,
num argumento inválido, tudo pode acontecer – precisamente porque não há
qualquer conexão entre as premissas e a conclusão. Podemos assim elaborar a seguinte
tabela:
|
Premissas verdadeiras
|
Premissas falsas
|
Conclusão verdadeira
Conclusão falsa
|
Válido ou inválido
Inválido
|
Válido ou inválido
Válido ou inválido
|
Exercícios
- O que é a
validade dedutiva?
- Será que uma
afirmação pode ser válida? Porquê?
- Será que um
argumento pode ser verdadeiro? Porquê?
- Será que um
argumento inválido pode ter uma conclusão verdadeira? Porquê?
- Poderá um
argumento válido ter uma conclusão falsa? Porquê?
- Poderá um
argumento válido com uma premissa falsa ter uma conclusão verdadeira?
Porquê?
MURCHO,
Desidério, O Lugar da Lógica na Filosofia,
2003. Lisboa: Plátano Editora, pp. 14-18
[1] Nomeadamente, porque só
depois de estudar lógica proposicional se está em condições de compreender plenamente
o que significa a expressão que tipicamente se usa nas definições: “se, e só se”.
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