A teoria causal da ação
Um bom modo para começar a nossa investigação acerca da natureza da acção é a partir da questão levantada por Wittgenstein: "O que sobra se eu subtrair o facto de o meu braço se ter erguido ao facto de eu ter erguido o meu braço?" (1953: §621). Evidentemente, o teu braço pode ter-se erguido sem que o tenhas feito intencionalmente subir; talvez o teu cotovelo se tenha mexido, alguém puxe por fios amarrados ao teu pulso ou alguém esteja a dar choques eléctricos aos músculos do teu braço. Nem todas as ocasiões em que o teu braço se ergue são ocasiões em que tu agiste: por isso o que marca a diferença entre o erguer do braço que corresponde a acções genuínas das que não o são?
Um bom modo para começar a nossa investigação acerca da natureza da acção é a partir da questão levantada por Wittgenstein: "O que sobra se eu subtrair o facto de o meu braço se ter erguido ao facto de eu ter erguido o meu braço?" (1953: §621). Evidentemente, o teu braço pode ter-se erguido sem que o tenhas feito intencionalmente subir; talvez o teu cotovelo se tenha mexido, alguém puxe por fios amarrados ao teu pulso ou alguém esteja a dar choques eléctricos aos músculos do teu braço. Nem todas as ocasiões em que o teu braço se ergue são ocasiões em que tu agiste: por isso o que marca a diferença entre o erguer do braço que corresponde a acções genuínas das que não o são?
Como resposta inicial,
podemos dizer algo deste tipo: "De modo a que o meu braço se erga sem que
eu activamente o erga, tem de haver uma causa exterior para esse movimento —
uma rajada de vento que arraste o guarda-chuva que eu seguro, alguém que mexa
no meu cotovelo, ou outras situações do género. Se eu próprio erguer o braço,
contudo, não há necessidade de uma causa exterior que mova o meu braço: a causa
será interna. O movimento dever-se-á à contracção dos meus músculos, que por
sua vez se deverá a impulsos nervosos, e por aí fora. Em resumo, a diferença
entre um mero movimento corporal e uma acção genuína é a diferença entre
causalidade interna e externa." Mas, certamente, esta perspectiva não é
suficiente; contracções musculares, espasmos, tiques nervosos e movimentos
reflexos têm causas internas mas ainda não são o tipo de coisas a que queremos
designar por acções. De facto, se não houvesse mais qualquer coisa numa acção
do que causalidade interna, não haveria nenhuma razão pela qual o movimento das
plantas causado internamente ou mesmo os movimentos de um relógio, não
contassem como verdadeiras acções. Ainda assim, parece fácil emendar a nossa
definição de acção de modo a evitar tais abstrusidades: as acções intencionais
são, num certo sentido, coisas em que a nossa mente está envolvida — portanto
seguramente aquilo que necessitamos de dizer é que, num sentido último, as
acções têm de ter causas mentais internas. Um espasmo muscular reflexo,
como o movimento de uma planta ou de um relógio, tem (num sentido amplo) uma
causa interna: mas uma acção genuína tem antecedentes mentais — a tua mente tem
um papel a desempenhar na execução da acção.
Note-se que, enquanto
podemos dizer que todas as acções têm causas mentais, não podemos reverter esta
afirmação e dizer que todos os movimentos com causas mentais são acções. Como
tal, a ansiedade pode fazer a tua mão tremer ou o embaraço pode provocar-te
contracções musculares, mas estas tremuras e contracções não são acções, apesar
dos seus antecedentes mentais. Portanto a presença de causas mentais é apenas
uma condição necessária da acção genuína, mas não é uma condição suficiente.
Quais são os antecedentes
mentais da acção? Que tipo de acontecimentos ou estados mentais são as causas
iniciadoras de uma acção intencional?
O nosso primeiro pensamento
pode ser que a acção resulta sempre do desejo. Por outras palavras, as
acções são coisas que fazes ou porque queres fazê-las ou porque acreditas que
elas são o meio para chegares a outras coisas que desejas. Quando activamente
ergueste o braço, o teu braço ergue-se porque simplesmente queres que ele se
erga (talvez porque estejas a experimentar se ele ainda se move depois de teres
tido um acidente), ou porque o subir do braço seja necessário para outra coisa
qualquer que desejas (talvez porque queiras votar e penses que necessitas de
levantar o braço para votar, ou queres dar início a uma corrida e penses que
levantar a mão é o modo de o fazer, ou queres apontar para a estrela polar, …).
Por contraste, as não-acções, como espasmos ou contracções musculares,
acontecem independentemente dos teus desejos, isto é, quer queiras quer não que
elas ocorram.
Mas existe uma aparente
dificuldade com este primeiro pensamento plausível que pode ser explicitado
pelo seguinte argumento:
(D) Os nossos desejos — ou
pelo menos os mais básicos — não são estados sobre os quais tenhamos muito
controlo; não depende usualmente de nós sentirmos sede e querermos beber, ou
desejarmos estar mais quentes, ou termos desejos sexuais. As nossas crenças, de
igual modo, não estão sobre o nosso controlo voluntário; muitas são adquiridas
perceptivamente e a percepção envolve um processo causal que não depende de
nós. Portanto, se caracterizarmos as acções como fazeres causados por desejos
(em conjunto com as crenças apropriadas), isto sugere que há estados que não
dependem de nós automaticamente que produzem acções sem a nossa intervenção; e
isto implicaria que as nossas acções também não dependem de nós. Esta conclusão
põe em causa todo o conceito de acção tal como o definimos até agora.
Segundo Anscombe, a nossa
sugestão fundamental é que uma acção é intencional apenas se é feita com razões
à luz das quais o comportamento de um agente pode ser compreensível.
Especificar as razões que fazem um comportamento ser compreensível é
especificar o desejo ou pró-atitude relevantes e uma crença de que o efeito da
acção conduza ao desejo esperado. Necessitamos, contudo, de destacar um aspecto
que até agora foi deixado implícito. De modo a explicar a acção de alguém, não
é suficiente especificar um desejo e uma crença que o agente tenha que torna a
acção compreensível; se queremos ter uma explicação correcta, a acção tem que
ter sido feita por causa desse desejo e dessa crença. Suponhamos, por
exemplo, que Jack abriu a janela porque desejava ter ar fresco e acreditava que
teria ar fresco se abrisse a janela. Essa crença e esse desejo evidentemente
fazem o abrir da janela algo que se faz numa situação dessas — mas essa crença
e desejo podem não ter funcionado como as razões para abrir a janela nesta
ocasião. Ele pode ter aberto a janela porque queria falar com a Jill que está
no exterior e porque acreditava que isso facilitaria a conversa. Em termos mais
gerais, podemos ter, numa dada situação, um conjunto de diferentes crenças e
desejos de tal modo que cada conjunto tornaria razoável o mesmo curso de acção:
ao explicar uma acção temos de escolher um (ou mais) dos conjuntos como
efectivamente decisivo na produção da acção. Repetindo: para explicar uma acção
temos de fazer mais do que simplesmente especificar crenças e desejos que
tornariam a acção compreensível; temos de dizer que o agente agiu por causa
dessas crenças e desejos.
O pensamento essencial em D,
era que se tentarmos definir acções como fazeres que explicamos recorrendo a
desejos, dado que os desejos não "dependem de nós" o mesmo se
aplicará supostamente às nossas acções intencionais. Bom, aceitemos que as
nossas necessidades mais básicas não estão sob o nosso controlo — não podemos
fazer nada quando temos sede, por exemplo. Mas muitos dos desejos ou
pró-atitudes envolvidos na explicação da acção humana, ou talvez mesmo a maior
parte, dependem de algum modo de nós (pelo menos no sentido vulgar dessa expressão).
Juntando os fios da nossa
discussão, podemos concluir dizendo que um fazer é uma acção apenas se envolve
algo feito intencionalmente, isto é, algo realizado por causa de uma
pró-atitude apropriada e de uma crença respectiva. Parece, portanto, que
chegamos finalmente […] à formulação correcta do núcleo de uma teoria causal da
acção — as causas mentais desses episódios comportamentais que contam como
acções intencionais são simplesmente crenças e desejos. De modo a responder à
questão de Wittgenstein: a diferença entre o teu braço se erguer e tu ergueres
o teu braço é uma questão de causalidade através de crenças e desejos.
Peter
Smith e O.R. Jones
in Crítica na Rede
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