Como vimos há argumentos cuja
validade não depende exclusivamente da sua forma lógica, nem da sua forma lógica
juntamente com os conceitos envolvidos. Podemos chamar “não-dedutivos” a esses
argumentos. Afirma-se por vezes que nos argumentos dedutivos se “parte do geral
para o particular” e que nos argumentos não dedutivos se “parte do particular
para o geral”. Isto é falso como se vê nos seguintes exemplos:
1)
Alguns filósofos são gregos.
Logo,
alguns gregos são filósofos.
2)
Todos os corvos observados até hoje são pretos.
Logo, o corvo do João é
preto.
1 é um argumento dedutivo, e
no entanto não parte do geral para o particular. Tanto a premissa como a
conclusão são particulares. E 2 é um argumento não-dedutivo. No entanto, não
parte do particular para vo geral. A premissa é geral[1]
e a conclusão particular.
Há quatro características que
distinguem os argumentos dedutivos dos não-dedutivos:
1.
A validade de um argumento não dedutivo nunca
depende unicamente da sua forma, ao passo que a validade de alguns argumentos
dedutivos depende unicamente da sua forma. Por exemplo, qualquer argumento que
tenha a forma de um modus ponens é
válido. Mas os argumentos não-dedutivos válidos têm a mesma forma lógica do que
os argumentos não-dedutivos inválidos.
Considere-se
os seguintes exemplos:
1) Todos
os corvos que vi até hoje eram pretos.
Logo, todos os corvos são pretos.
2) Todos
os corvos que vi até hoje nasceram antes de 2010.
Logo, todos os corvos nascem antes do ano
2010.
O argumento 1 tem uma certa
força indutiva. Mas o 2 é muito mau. Todavia, têm ambos a mesma forma lógica:
∀x (se Fx e Gx, então Hx).
Logo, (se Fx, então Hx)
2.
Nos argumentos não-dedutivos válidos é
logicamente possível, mas improvável, que as suas premissas sejam verdadeiras e
a sua conclusão falsa; mas nos argumentos dedutivos válidos é logicamente
impossível as premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa. Como vimos, esta
impossibilidade resulta unicamente da forma dos argumentos, ou da forma do
argumento juntamente com os conceitos usados. Mas isto nunca acontece nos
argumentos não-dedutivos. Por muito forte que seja um argumento, será sempre
logicamente possível, que a sua conclusão seja falsa, apesar de as suas
premissas serem verdadeiras.
Considere-se o seguinte exemplo:
Todos
os corvos observados até hoje pesam menos de 5 quilos.
Logo,
o corvo do João pesa menos de 5 quilos.
Este argumento indutivo é muito forte. Contudo,
não é logicamente impossível que a premissa seja verdadeira e a conclusão
falsa. Há várias circunstâncias em que a premissa é verdadeira e a conclusão
falsa: o João pode ter descoberto uma forma de fazer os corvos crescer
desmesuradamente, o corvo do João pode ter uma doença rara, pode ter sido
sujeito a radiações especiais, etc. Contudo, todas estas circunstâncias, apesar
de logicamente possíveis, são muito improváveis. Mas num argumento
dedutivamente válido é impossível, e não apenas improvável, que as suas
premissas sejam verdadeiras e a sua conclusão falsa.
3.
Os argumentos dedutivos são válidos ou
inválidos, sem admitir graus de validade; mas a validade dos argumentos
não-dedutivos admite graus. Por exemplo, o argumento 1 acima é mais forte do
que o 2. Mas há muitos argumentos indutivos mais fortes do que 1, nomeadamente
os argumentos que justificam as leis da biologia, por exemplo, que resultam de
um estudo muito mais sistemático da natureza do que a mera observação assistemática
dos corvos.
4.
Os argumentos não-dedutivos são “abertos”. Na
linguagem especializada diz-se que os argumentos não-dedutivas não são
“monotónicos”. Vejamos um exemplo:
Todos
os corvos que vi até hoje viveram depois de 1965.
Logo,
todos os corvos viveram depois de 1965.
Este argumento é muito fraco
porque a sua conclusão é “derrotada” pelo conhecimento que temos de que já
havia corvos antes de eu ter nascido. Todavia, isto acontece sem que a sua
premissa seja falsa. Acontece apenas que há conhecimento relevante, exterior ao
argumento, que derrota a conclusão e torna o argumento fraco. Isto não acontece
com os argumentos dedutivos estudados na lógica clássica. Neste sentido, os
argumentos não-dedutivos são “abertos”, pois um argumento não-dedutivo
considerado forte pode vir a ser considerado fraco ao descobrir-se informação
que derrota a sua conclusão, sem todavia falsificar qualquer uma das premissas.
MURCHO, Desidério, O
Lugar da Lógica na Filosofia, 2003. Lisboa: Plátano Editora, pp. 102-104
[1] Ainda que se considere que
a premissa é particular (porque declara que só alguns corvos – os observados –
são pretos), estamos perante um argumento não-dedutivo que não “parte” do
particular para o geral, dado que a conclusão é particular.
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