domingo, 22 de novembro de 2009

A RESPOSTA LIBERTISTA iv


O argumento da responsabilidade. O pressuposto de que temos livre-arbítrio está profundamente enraizado nas nossas formas habituais de pensar. Ao reagir a outras pessoas, não conseguimos deixar de as ver como autoras das suas acções Consideramo-las responsáveis, censurando-as caso se tenham comportado mal e admirando-as caso se tenham comportado bem. Para que estas reacções estejam justificadas, parece necessário que as pessoas tenham livre –arbítrio.
Outros sentimentos humanos importantes, como o orgulho e a vergonha, também pressupõem o livre-arbítrio. Alguém que conquista uma vitória ou tem sucesso num exame pode sentir-se orgulhoso, enquanto alguém que desiste ou faz batota pode sentir-se envergonhado. Porém, se as nossas acções se devem sempre a factores que não controlamos, os sentimentos de orgulho e de vaidade são infundados. Estes sentimentos são uma parte inescapável da vida humana. Assim, uma vez mais, parece inescapável que nos concebamos como livres.
Podemos, portanto, raciocinar desta forma:
1. Não conseguimos deixar de admirar ou de censurar as pessoas pelo que fazem, nem conseguimos deixar de, por vezes, sentir orgulho ou vergonha pelo que fazemos.
2. Estas reacções – admiração, censura, orgulho e vergonha – não seriam apropriadas se as pessoas não tivessem livre-arbítrio.
3. Logo, temos de acreditar que as pessoas têm livre-arbítrio.
4. Dado que temos de ter essa crença, temo-la de facto: as pessoas têm livre-arbítrio.

Este é um exemplo daquilo que Immanuel Kant (1724-1804) designou por «argumento transcendental». Kant, que muitos consideram o maior dos filósofos modernos, observou que não conseguimos deixar de acreditar em certas coisas. Sendo assim, não conseguimos deixar de acreditar também naquilo que é necessário para que essas crenças sejam verdadeiras. Suponha-se que não conseguimos deixar de acreditar que X. Mas X pressupõe Y. Logo, disse Kant, não temos escolha: temos de presumir que é verdade que Y.
O problema dos argumentos deste tipo é óbvio. As crenças originais podem ser falsas, ainda que sejam psicologicamente inescapáveis. Se soubéssemos que as crenças originais são verdadeira – que as pessoas são censuráveis e que o orgulho é justificado - , poderíamos concluir que tudo o que essas crenças implicam também é verdade. Contudo, se não sabemos se as crenças são verdadeiras, não podemos extrair justificadamente quaisquer conclusões a partir delas. Não podemos concluir que temos livre-arbítrio a partir do simples facto de o livre-arbítrio ser implicado por crenças que temos, mas que não constituem conhecimento.

Problemas da Filosofia, James Rachels, Gradiva - (Colecção Filosofia Aberta - pp.189 -191)

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