domingo, 29 de novembro de 2009

ÉTICA E LIVRE - ARBÍTRIO ii



Deliberar sobre o que é melhor. Para começar, podemos pôr de parte a ideia de que somos «simples robôs» se não temos livre-arbítrio. Não somos nada como robôs. Temos pensamentos, intenções e emoções. Sentimos felicidade e infelicidade. Amamos os nossos filhos e, se tivermos sorte, eles também nos amam. Dá-nos prazer ir ao cinema, jogar futebol e ouvir Mozart. Os robôs não são assim. A nossa capacidade de ter estas experiências e actividades não depende do livre-arbítrio. Mesmo que o nosso comportamento esteja completamente determinado, tudo isto continuará a ser verdade.
Também somos diferentes dos rôbos noutros aspectos: temos frequentemente razões para o que fazemos, e isto não deixará de ser assim se não tivermos livre-arbítrio. Desde que tenhamos crenças e desejos, e o nosso comportamento esteja conectado com eles, continuaremos a ser capazes de agir racionalmente. Continuaremos a perseguir os nossos objectivos como sempre. Obviamente, o sentido em que os nossos objectivos são «nossos» terá sofrido uma mudança subtil. Não poderemos já concebê-los como algo que escolhemos livremente. Vê-lo-emos antes como objectivos que resultam da nossa constituição, do que acontece no nosso cérebro e da influência do nosso ambiente. Mas o que interessará isso? Os nossos objectivos continuarão a ser os nossos objectivos e ainda nos importaremos com eles.
Sugere-se por vezes que a negação do livre-arbítrio condiziria a uma atitude fatalista em relação ao futuro: não faria sentido esforçarmo-nos por mudar as coisas. Ma é óbvio que isto não se
segue da negação do livre-arbítrio. O futuro depende do que fazemos e, se queremos um certo tipo de futuro, temos boas razões para fazer o que é necessário para lhe dar origem. Suponha-se que queremos que as crianças doentes da Nigéria tenham cuidados médicos de que precisam e que, por essa razão, contribuímos para esforços humanitários. Ajudamos a mudar o futuro. E isso faz seguramente sentido - sem a ajuda, as crianças ficariam pior. Uma vez mais, a presença ou ausência do livre-arbítrio não faz diferença.
Poderemos deliberar acerca do que fazer se não acreditarmos que temos livre-arbítrio? Alguns filósofos defenderam que, se acreditamos que não somos livres, não faz sentido «deliberar». Afinal, deliberar significa tentar decidir, o esforço de decidir parece pressupor que podemos fazer coisas diferentes. Este raciocínio parece plausível. Mas o que fazemos realmente quando deliberamos? Pensamos sobretudo naquilo que queremos e no modo como diversas acções conduziriam a resultados diferentes. Pensamos nas crianças da Nigéria, no que é estar doente e não dispor de ajuda, no modo como o nosso dinheiro poderia satisfazer as suas necessidades e assim por diante. Podemos pensar também noutras coisas que poderemos fazer com o dinheiro. Na ideia de que não tenho livre-arbítrio, nada há que me impeça de continuar a ponderar desta forma.
Logo, a negação do livre-arbítrio não implica o fim da ética. Podemos continuar a considerar que certas coisas são boas e que outras são más - mesmo que ninguém tenha livre - arbítrio, não deixa de ser melhor que as crianças da Nigéria não morram. Além disso, podemos continuar a avaliar as acções em função dos melhores ou piores resultados que produzem. Mesmo que não tenhamos livre-arbítrio, não deixará de ser bom contribuir para esforços humanitários.

Problemas da Filosofia, James Rachels, Gradiva - (Colecção Filosofia Aberta, pp 196-8)

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