sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A RESPOSTA LIBERTISTA iii


O argumento de que não podemos prever as nossas próprias decisões. Um tipo de argumento diferente a favor do Libertismo baseia-se na ideia de que tudo o que está causalmente determinado é previsível, pelo menos em princípio. Como é óbvio, algo pode estar determinado mas não ser previsível na prática em virtude de não termos conhecimento suficiente. A árvore que vejo da janela está cada vez mais inclinada e mais tarde ou mais cedo vai cair. Não posso prever quando ocorrerá a queda, pois não sei o suficiente, por exemplo, sobre a árvore, o solo ou a quantidade de chuva que teremos nos próximos dias. Mas se soubesse todas essas coisas e compreendesse perfeitamente as Leis da Natureza, poderia presumivelmente prever quando irá cair a árvore.
Se as acções humanas estão causalmente determinadas, então deve ser possível, em princípio, prevê-las da mesma forma. Precisamos apenas de conhecer os factos pertinentes sobre a pessoa, as suas circunstâncias e as leis causais relevantes.
Mas há aqui um problema. Isto parece plausível apenas se estivermos a prever o comportamento de outra pessoa. Suponha-se que o nosso amigo, João, está a decidir se há-de aceitar um emprego noutra cidade. Se tivermos informação suficiente sobre ele – sobre os acontecimentos que ocorrem no seu cérebro, entre outras coisas -, poderemos ser capazes de prever qual será a sua decisão e quando irá tomá-la. Poderemos dizer, por exemplo, que amanhã às 22:07 João irá decidir aceitar o emprego. Deste modo, saberíamos o que João iria fazer antes de ele ter agido. Até aqui tudo bem.
No entanto, as coisas são diferentes quando se trata de prever as nossas próprias decisões. Suponha que é a pessoas que está a tentar decidir se há-de aceitar o emprego fora da cidade. Se possuir toda a informação relevante sobre si próprio, será capaz de prever o que irá decidir? Conseguirá prever que irá continuar a deliberar até amanhã às 22:07, altura em que irá decidir aceitar o emprego? Esta é uma ideia estranha. Para começar, se souber à partida o que vai decidir, as suas deliberações podem terminar já. Por que razão há-de continuar a pensar se já sabe o que vai fazer? Mas, nesse caso, a previsão de que vai continuar a deliberar será falsa. Além disso, o leitor pode ser uma pessoa maliciosa que detesta ser previsível. Assim, seja qual for a conclusão atingida acerca do seu comportamento futuro, poderá fazer o contrário apenas para provar a falsidade da previsão. A previsão, poderemos dizer, derrota-se a si mesma. Isto parece mostrar que há uma grande diferença entre prever o comportamento humano e prever outros acontecimentos do mundo físico.
Podemos resumir o argumento desta maneira:
1. Se o comportamento humano está causalmente determinado, então é previsível em princípio.
2. Mas uma previsão sobre o que alguém irá fazer pode ser contrariada se a pessoa cujo o comportamento está a ser previsto souber qual é a previsão e escolher agir de outra forma.
3. Logo, nem todas as acções humanas são previsíveis em princípio.
4. E, por isso, nem todas as acções humanas estão causalmente determinadas.
Este é um argumento inteligente, mas será sólido? Há vários problemas nele. A primeira coisa que podemos observar é que as pessoas por vezes prevêem as suas próprias decisões, sem que por isso as impeça de continuar a deliberar. Isto está sempre a acontecer. Podemos prever correctamente que vamos acabar por recusar o emprego por não ser especialmente atraente, sabendo do que já recusámos empregos melhores fora da cidade. Apesar de sabermos isto, podemos continuar a ponderar a oferta.
No entanto, é verdade que uma previsão introduz um novo elemento na situação e as pessoas podem reagir-lhe. Mas isto não significa que o resultado não esteja determinado. Precisamos apenas de esclarecer o que significa «previsível» neste contexto. Devemos distinguir dois tipos de previsibilidade:
a) Previsível por um hipotético observador ideal que permanece fora do sistema e observa os acontecimentos, mas não interfere neles.
b) Previsível pelos seres humanos no mundo real.
O determinismo implica a previsibilidade no sentido a), mas não no sentido b). Com isto em mente, consideremos o caso em que prevejo que uma pessoa irá fazer algo e ela faz o oposto só para me contrariar. A minha previsão pode revelar-se errada. Ainda assim, um observador ideal poderia saber exactamente o que ia acontecer, incluindo a minha previsão e a resposta maliciosa dessa pessoa.
Este argumento, então, não prova que o nosso comportamento não esteja determinado. Mas há mais um argumento para apreciar.

Problemas da Filosofia, James Rachels, Gradiva - (Colecção Filosofia Aberta, pp. 186-9)

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