segunda-feira, 9 de novembro de 2009

ACÇÃO, INTENÇÃO E RACIOCÍNIO PRÁTICO




Na teoria da acção, existe uma distinção fundamental entre as acções que são premeditadas, que são resultado de alguma espécie de planificação prévia, e as acções que são espontâneas, em que fazemos alguma coisa sem qualquer reflexão anterior.

Um erro comum que existe na teoria da acção é supor que todas as acções intencionais são o resultado de alguma espécie de deliberação, que são o produto de uma cadeia de raciocínio prático. Mas, obviamente muitas coisas que fazemos não são assim. Simplesmente fazemos alguma coisa sem qualquer reflexão prévia. Por exemplo, numa conversa normal, não se reflecte sobre o que se vai dizer a seguir, simplesmente se diz. Em tais casos, há decerto uma intenção, mas não é uma intenção formada antes da realização da acção. É o que eu chamo uma intenção na acção. Noutros casos, porém, formamos intenções antecedentes. Reflectimos sobre o que queremos e sobre qual é a melhor maneira de o levar a cabo. Este processo de reflexão (Aristóteles chamou-o «raciocínio prático») resulta caracteristicamente na formação de uma intenção prévia ou, como também Aristóteles sublinhou, por vezes resulta na própria acção.

A formação de intenções prévias é, pelo menos geralmente, o resultado de raciocínio prático. O raciocínio prático é sempre raciocínio acerca da melhor maneira de decidir entre desejos antagónicos. A força motriz que está por detrás da maior parte das acções humanas( e animais) é o desejo. As crenças funcionam apenas para nos capacitar a representar o melhor modo de satisfazer os nossos desejos. Assim, por exemplo, quero ir a Paris e creio que a melhor maneira, depois de considerar todas as coisas, é ir de avião, pelo que formo a intenção de ir por via aérea. Eis um processo típico e de sentido comum de raciocínio prático. Mas o raciocínio prático difere crucialmente do raciocínio teórico, do raciocínio acerca do que sejam as coisas; no raciocínio prático, porém, trata-se sempre de como melhor decidir entre os vários desejos antagónicos que temos. Assim, por exemplo, suponhamos que eu quero ir a Paris e que imagino que o melhor modo de ir é ir de avião. Contudo, não existe maneira de eu poder fazer isto sem frustar muitos outros desejos que tenho. Não quero gastar dinheiro; não quero entrar em bichas nos aeroportos; não quero sentar-me em assentos de avião; não quero tomar refeições de avião, não quero que as pessoas ponham o seu cotovelo onde eu tento pôr o meu cotovelo; e assim por diante, indefinidamente. Porém, apesar de todos os desejos que serão frustrados se for a Paris de avião, posso ainda pensar que, depois de tudo considerado, o melhor é ir a Paris por avião. Isto é não só típico do raciocínio prático, mas penso que é universal no raciocínio prático que ele diga respeito à decisão a propósito de desejos conflitivos.
(...) Explicar uma acção é fornecer as suas causas. As suas causas são estados psicológicos. Estes estados relacionam-se com a acção, quer por serem passos do raciocínio prático que levou às intenções, quer porque são as próprias intenções.

Mente , Cérebro e Ciência, John Searl, Edições 70, pp. 80 - 82

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