O existencialista pensa que é muito incomodativo que Deus não exista, porque desaparece com ele toda a possibilidade de achar valores num universo inteligível; não pode existir já o bem a priori, visto não haver já uma consciência infinita e perfeita para pensá-lo; não está escrito em parte alguma que o bem existe, que é preciso ser honesto, que não devemos mentir, já que precisamente estamos num plano em que há somente homens. Dostoievski escreveu: “Se Deus não existisse, tudo seria permitido.” Aí se situa o ponto de partida do existencialismo. Com efeito, tudo é permitido se Deus não existe, fica o homem, por conseguinte, abandonado, já que não encontra em si, nem, fora de si, uma possibilidade a que se apegue. Antes de mais nada, não há desculpas para ele. Se, com efeito, a existência precede a essência, não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Se, por outro lado, Deus não existe, não encontramos diante de nós valores ou imposições que nos legitimem o comportamento. Assim, não temos nem atrás de nós, nem diante de nós, no domínio luminoso dos valores, justificações ou desculpas. Estamos sós e sem desculpas. É o que traduzirei dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado, porque não se criou a si próprio; e no entanto livre, porque uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer. O existencialista não crê na força da paixão. Não pensará nunca que uma bela paixão é uma torrente devastadora que conduz fatalmente o homem a certos actos e que por conseguinte, tal paixão é uma desculpa.
SARTRE, Jean-Paul, O Existencialismo é um Humanismo, 2004. Lisboa: Bertrand Editora, pp. 208-209
SARTRE, Jean-Paul, O Existencialismo é um Humanismo, 2004. Lisboa: Bertrand Editora, pp. 208-209
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