Parte IV
Culpa e castigo
DANIEL: Sim. Começo com o primeiro ponto. Quando culpamos alguém por essa pessoa ter feito algo de errado, ou quando castigamos alguém por ter infringido a lei, fazemo-lo porque queremos, por um lado, impedir que essa pessoa o volte a fazer e, por outro, porque queremos impedir que outras pessoas façam o mesmo. Quando elogiamos alguém por ter feito algo de bom ou o recompensamos por ter feito algo de benéfico para a sociedade, fazemo-lo porque queremos encorajá-lo, a ele e aos outros, a fazer o mesmo. Estes motivos são a razão pela qual julgamos as pessoas que infringiram a lei; e são a razão pela qual educamos os nossos filhos e os elogiamos as suas boas acções.
LÁZARO: Como é que isso refuta a minha afirmação de que a culpa e o castigo só fazem sentido se as pessoas forem moralmente responsáveis por aquilo que fazem?
DANIEL: Encorajar as pessoas para agir de um certo modo, tentar modificar os seus padrões de comportamento, e impedi-los de magoar as outras pessoas, não pressupõe que as pessoas sejam moralmente responsáveis por aquilo que fazem. Estas acções pressupõem apenas que há uma forte probabilidade de que o sujeito a quem elas se dirigem seja forçado a agir de outro modo. É por isso que é não de todo absurdo culpar uma pessoa pelos seus delitos, e é por isso que é absurdo culpar uma pedra por ter partido uma janela, apesar de nem a pessoa nem a pedra serem moralmente responsáveis por aquilo que fazem. Tudo o que isto significa é que a culpa, o elogio, e o castigo fazem sentido mesmo que tudo aquilo que fazemos seja causado por acontecimentos sobre os quais nós não temos controlo, e mesmo que nós não sejamos seres moralmente responsáveis.
LÁZARO: Parece-me que discordarias da estratégia de Clarence Darrow de utilizar o determinismo para tentar salvar os seus clientes de serem enforcados.
DANIEL: Claro, tens razão. Ainda que concorde com a crença de Darrow no determinismo, eu não penso que o determinismo possa ser usado como uma desculpa para evitar a culpa e o castigo.
LÁZARO: Concordo contigo quando afirmas que utilizamos a culpa e o castigo para fazer as pessoas mudar o seu comportamento e para proteger as outras pessoas do mal que lhes possa ser infligido. Mas, se isso é tudo o que queremos fazer quando culpamos e castigamos as pessoas, então penso que te esqueces de uma condição crucial para a legitimação do seu uso.
DANIEL: A que condição te referes?
LÁZARO: A condição que nos diz que uma pessoa deve ser culpada e condenada por uma determinada acção apenas se a puder evitar. Supõe, por exemplo, que uma pessoa é forçada, porque tem uma arma apontada à cabeça, a conduzir o carro da fuga de um assalto a um banco. Ou supõe que uma pessoa, acidentalmente, tropeça noutra e que esta, em resultado do choque, parte um braço. Em nenhum destes casos a pessoa poderia evitar a sua acção. Por conseguinte, em nenhum dos casos seria legítimo culpar essa pessoa e afirmar que o que ela fez é moralmente condenável. Nem seria legítimo acusar a pessoa do primeiro exemplo por cumplicidade no assalto a um banco, assim como não seria legítimo acusar a segunda pessoa de agressão. Esta condição é tão amplamente aceite que qualquer concepção de culpa e castigo que a negue deve ser seriamente questionada. Deves notar, também, que a condição da acção evitável torna a culpa e a punição incompatíveis com o determinismo. Se o determinismo fosse verdadeiro, então nada daquilo que fazemos poderia ser diferente; tudo aquilo que fazemos teria de ser feito e não poderia ser evitado. Assim, se o determinismo fosse verdadeiro, a culpabilização e o castigo deveriam ser abandonados uma vez que violariam o requisito da acção evitável.
DANIEL: Concordo contigo quando dizes que o determinismo implica que nada daquilo que fazemos pode ser evitado. Mas isto não significa que a culpa e o castigo deveriam ser abandonadas, e isto porque o princípio da acção evitável não é um requisito necessário para legitimar a culpa e o castigo. Os únicos requisitos são os seguintes: que o comportamento em questão seja indesejável; e que a culpabilização ou a punição ajudem a prevenir esse tipo de comportamento. Estes requisitos não são satisfeitos nos teus dois exemplos, e não o são porque em nenhum dos casos a culpabilização e o castigo ajudam a prevenir as pessoas de fazerem essas coisas. Por exemplo, nós não punimos alguém que, acidentalmente, tropeça e derruba outra pessoa, precisamente porque a culpabilização a e a punição não o impediriam, a ele ou a qualquer outra pessoa, de tropeçar novamente. Por contraste, a culpabilização e o castigo impediriam as pessoas de, deliberadamente, derrubar outras pessoas...
LÁZARO: O que pensas disto tudo Carolina?
Clifford Williams
Retirado de http://www.criticanarede.com/
Culpa e castigo
DANIEL: Sim. Começo com o primeiro ponto. Quando culpamos alguém por essa pessoa ter feito algo de errado, ou quando castigamos alguém por ter infringido a lei, fazemo-lo porque queremos, por um lado, impedir que essa pessoa o volte a fazer e, por outro, porque queremos impedir que outras pessoas façam o mesmo. Quando elogiamos alguém por ter feito algo de bom ou o recompensamos por ter feito algo de benéfico para a sociedade, fazemo-lo porque queremos encorajá-lo, a ele e aos outros, a fazer o mesmo. Estes motivos são a razão pela qual julgamos as pessoas que infringiram a lei; e são a razão pela qual educamos os nossos filhos e os elogiamos as suas boas acções.
LÁZARO: Como é que isso refuta a minha afirmação de que a culpa e o castigo só fazem sentido se as pessoas forem moralmente responsáveis por aquilo que fazem?
DANIEL: Encorajar as pessoas para agir de um certo modo, tentar modificar os seus padrões de comportamento, e impedi-los de magoar as outras pessoas, não pressupõe que as pessoas sejam moralmente responsáveis por aquilo que fazem. Estas acções pressupõem apenas que há uma forte probabilidade de que o sujeito a quem elas se dirigem seja forçado a agir de outro modo. É por isso que é não de todo absurdo culpar uma pessoa pelos seus delitos, e é por isso que é absurdo culpar uma pedra por ter partido uma janela, apesar de nem a pessoa nem a pedra serem moralmente responsáveis por aquilo que fazem. Tudo o que isto significa é que a culpa, o elogio, e o castigo fazem sentido mesmo que tudo aquilo que fazemos seja causado por acontecimentos sobre os quais nós não temos controlo, e mesmo que nós não sejamos seres moralmente responsáveis.
LÁZARO: Parece-me que discordarias da estratégia de Clarence Darrow de utilizar o determinismo para tentar salvar os seus clientes de serem enforcados.
DANIEL: Claro, tens razão. Ainda que concorde com a crença de Darrow no determinismo, eu não penso que o determinismo possa ser usado como uma desculpa para evitar a culpa e o castigo.
LÁZARO: Concordo contigo quando afirmas que utilizamos a culpa e o castigo para fazer as pessoas mudar o seu comportamento e para proteger as outras pessoas do mal que lhes possa ser infligido. Mas, se isso é tudo o que queremos fazer quando culpamos e castigamos as pessoas, então penso que te esqueces de uma condição crucial para a legitimação do seu uso.
DANIEL: A que condição te referes?
LÁZARO: A condição que nos diz que uma pessoa deve ser culpada e condenada por uma determinada acção apenas se a puder evitar. Supõe, por exemplo, que uma pessoa é forçada, porque tem uma arma apontada à cabeça, a conduzir o carro da fuga de um assalto a um banco. Ou supõe que uma pessoa, acidentalmente, tropeça noutra e que esta, em resultado do choque, parte um braço. Em nenhum destes casos a pessoa poderia evitar a sua acção. Por conseguinte, em nenhum dos casos seria legítimo culpar essa pessoa e afirmar que o que ela fez é moralmente condenável. Nem seria legítimo acusar a pessoa do primeiro exemplo por cumplicidade no assalto a um banco, assim como não seria legítimo acusar a segunda pessoa de agressão. Esta condição é tão amplamente aceite que qualquer concepção de culpa e castigo que a negue deve ser seriamente questionada. Deves notar, também, que a condição da acção evitável torna a culpa e a punição incompatíveis com o determinismo. Se o determinismo fosse verdadeiro, então nada daquilo que fazemos poderia ser diferente; tudo aquilo que fazemos teria de ser feito e não poderia ser evitado. Assim, se o determinismo fosse verdadeiro, a culpabilização e o castigo deveriam ser abandonados uma vez que violariam o requisito da acção evitável.
DANIEL: Concordo contigo quando dizes que o determinismo implica que nada daquilo que fazemos pode ser evitado. Mas isto não significa que a culpa e o castigo deveriam ser abandonadas, e isto porque o princípio da acção evitável não é um requisito necessário para legitimar a culpa e o castigo. Os únicos requisitos são os seguintes: que o comportamento em questão seja indesejável; e que a culpabilização ou a punição ajudem a prevenir esse tipo de comportamento. Estes requisitos não são satisfeitos nos teus dois exemplos, e não o são porque em nenhum dos casos a culpabilização e o castigo ajudam a prevenir as pessoas de fazerem essas coisas. Por exemplo, nós não punimos alguém que, acidentalmente, tropeça e derruba outra pessoa, precisamente porque a culpabilização a e a punição não o impediriam, a ele ou a qualquer outra pessoa, de tropeçar novamente. Por contraste, a culpabilização e o castigo impediriam as pessoas de, deliberadamente, derrubar outras pessoas...
LÁZARO: O que pensas disto tudo Carolina?
Clifford Williams
Retirado de http://www.criticanarede.com/
Sem comentários:
Enviar um comentário