Parte iv
5. Determinismo moderado
Parece que ficámos encurralados num canto. Temos de rejeitar o determinismo radical porque nega a validade da responsabilidade moral. Mas temos igualmente de rejeitar o libertarianismo, porque se fosse verdadeiro nunca teríamos justificação para considerar as pessoas moralmente responsáveis pelas suas acções.
O problema está na nossa definição de liberdade. Dissemos antes que chamaríamos livre a uma escolha se ela não fosse causada. Mas há uma outra e mais útil concepção de escolha livre. Para ilustrá-lo, imagina os soldados Silva e Nunes de sentinela durante a guerra, Silva depois de 72 horas acordado em batalha e Nunes depois de um bom descanso. Supõe que Silva tenta ao máximo estar acordado, enquanto que Nunes, digamos, por travessura, se deixa deliberadamente dormir. Parece que neste caso deveríamos repreender Nunes por se ter deixado adormecer, mas não Silva, porque Nunes, se quisesse, poderia ter estado acordado, enquanto Silva não poderia, ainda que de facto o desejasse. Nunes deveria ser considerado culpado porque ele quis fazer a acção maldosa, enquanto Silva deve ser considerado inocente ou, pelo menos, ser perdoado, porque ele quis fazer o seu dever, estar acordado e tentou ao máximo fazê-lo. Podemos dizer que Nunes ter adormecido foi um acto livre, porque não foi compelido ― não foi forçado a adormecer "contra a sua vontade". Mas Silva ter adormecido não foi livre, porque ele foi compelido pela fadiga corporal a fazer o que desesperadamente não queria fazer, a saber, adormecer.
Os deterministas moderados consideram a ausência de compulsão, e não a ausência de causa, como o critério da liberdade de escolha. Em termos gerais, defendem que as pessoas agem livremente quando fazem o que querem e escolhem fazer e não agem livremente quando o que fazem é forçado ou compelido. Por outras palavras, de acordo com os deterministas moderados, uma vontade livre é simplesmente uma vontade não-compelida.
Compulsão interna e externa
As acções compulsivas dividem-se em dois tipos, internas e externas, consoante a origem da força compulsiva. A sentinela que tenta ao máximo estar acordada mas apesar disso adormece é vítima de compulsão interna, porque forças psicológicas no interior do seu corpo são a causa de que adormeça. As crianças fechadas nos quartos pelos pais são vítimas de compulsão externa, porque as forças que constrangem o seu comportamento são externas aos seus corpos. Os deterministas moderados defendem que a ausência de compulsão, e não a ausência de causa, é a marca de um acto livre. Todos os actos são causados, mas apenas alguns são compelidos.
Acções determinadas podem ser livres
Recorda agora os três princípios que conduzem ao determinismo radical, a saber, 1) que o determinismo é verdadeiro, pelo que todas as nossas escolhas e acções são determinadas por circunstâncias passadas; 2) que as acções determinadas por circunstâncias passadas não podem ser livres; e 3) que somos moralmente responsáveis apenas por acções livres. Deve ser óbvio neste momento que os deterministas moderados aceitam os princípios 1) e 3) mas rejeitam o princípio 2). Eles chamam a atenção para que, na vida diária, o critério de escolha livre não é a escolha ser não-causada mas antes a escolha ser não-compelida, não forçada, pelo que a pessoa faz o que ele ou ela quer e escolhe fazer. Os deterministas moderados "salvam" assim a ideia de responsabilidade moral e resolvem o problema do livre-arbítrio versus determinismo defendendo que a liberdade necessária para justificar considerar as pessoas moralmente responsáveis pelas suas acções não é a liberdade do determinismo, que nunca temos, mas a liberdade da compulsão, a liberdade para fazer o que queremos fazer, o que com frequência temos.
Razões para aceitar o determinismo moderado
A razão fundamental para aceitar o determinismo moderado é que parece resolver o problema sem violar quaisquer intuições fortemente arreigadas. Ao contrário do libertarianismo, o determinismo moderado é consistente com a tese determinista muito bem estabelecida segundo a qual tudo tem uma causa. Ao contrário do determinismo radical, é consistente com a ideia de que temos justificação para considerar as pessoas moralmente responsáveis pela maior parte das suas acções. Além disto, diz-nos grosso modo as acções pelas quais somos responsáveis (as que não são compelidas) e pelas quais não somos (as que são compelidas) e fornece-nos um critério para decidir em casos particulares (as acções que queremos fazer não são compelidas, ou livres, as acções que não queremos fazer mas fazemos na mesma são compelidas, ou não livres). E fá-lo de um modo tal que está razoavelmente de acordo com a prática diária. Uma vez que, em geral, na vida diária somos desculpados pelas acções compelidas e considerados responsáveis apenas pelas não-compelidas.
Howard Kahane
Retirado de http://www.filedu.com/
5. Determinismo moderado
Parece que ficámos encurralados num canto. Temos de rejeitar o determinismo radical porque nega a validade da responsabilidade moral. Mas temos igualmente de rejeitar o libertarianismo, porque se fosse verdadeiro nunca teríamos justificação para considerar as pessoas moralmente responsáveis pelas suas acções.
O problema está na nossa definição de liberdade. Dissemos antes que chamaríamos livre a uma escolha se ela não fosse causada. Mas há uma outra e mais útil concepção de escolha livre. Para ilustrá-lo, imagina os soldados Silva e Nunes de sentinela durante a guerra, Silva depois de 72 horas acordado em batalha e Nunes depois de um bom descanso. Supõe que Silva tenta ao máximo estar acordado, enquanto que Nunes, digamos, por travessura, se deixa deliberadamente dormir. Parece que neste caso deveríamos repreender Nunes por se ter deixado adormecer, mas não Silva, porque Nunes, se quisesse, poderia ter estado acordado, enquanto Silva não poderia, ainda que de facto o desejasse. Nunes deveria ser considerado culpado porque ele quis fazer a acção maldosa, enquanto Silva deve ser considerado inocente ou, pelo menos, ser perdoado, porque ele quis fazer o seu dever, estar acordado e tentou ao máximo fazê-lo. Podemos dizer que Nunes ter adormecido foi um acto livre, porque não foi compelido ― não foi forçado a adormecer "contra a sua vontade". Mas Silva ter adormecido não foi livre, porque ele foi compelido pela fadiga corporal a fazer o que desesperadamente não queria fazer, a saber, adormecer.
Os deterministas moderados consideram a ausência de compulsão, e não a ausência de causa, como o critério da liberdade de escolha. Em termos gerais, defendem que as pessoas agem livremente quando fazem o que querem e escolhem fazer e não agem livremente quando o que fazem é forçado ou compelido. Por outras palavras, de acordo com os deterministas moderados, uma vontade livre é simplesmente uma vontade não-compelida.
Compulsão interna e externa
As acções compulsivas dividem-se em dois tipos, internas e externas, consoante a origem da força compulsiva. A sentinela que tenta ao máximo estar acordada mas apesar disso adormece é vítima de compulsão interna, porque forças psicológicas no interior do seu corpo são a causa de que adormeça. As crianças fechadas nos quartos pelos pais são vítimas de compulsão externa, porque as forças que constrangem o seu comportamento são externas aos seus corpos. Os deterministas moderados defendem que a ausência de compulsão, e não a ausência de causa, é a marca de um acto livre. Todos os actos são causados, mas apenas alguns são compelidos.
Acções determinadas podem ser livres
Recorda agora os três princípios que conduzem ao determinismo radical, a saber, 1) que o determinismo é verdadeiro, pelo que todas as nossas escolhas e acções são determinadas por circunstâncias passadas; 2) que as acções determinadas por circunstâncias passadas não podem ser livres; e 3) que somos moralmente responsáveis apenas por acções livres. Deve ser óbvio neste momento que os deterministas moderados aceitam os princípios 1) e 3) mas rejeitam o princípio 2). Eles chamam a atenção para que, na vida diária, o critério de escolha livre não é a escolha ser não-causada mas antes a escolha ser não-compelida, não forçada, pelo que a pessoa faz o que ele ou ela quer e escolhe fazer. Os deterministas moderados "salvam" assim a ideia de responsabilidade moral e resolvem o problema do livre-arbítrio versus determinismo defendendo que a liberdade necessária para justificar considerar as pessoas moralmente responsáveis pelas suas acções não é a liberdade do determinismo, que nunca temos, mas a liberdade da compulsão, a liberdade para fazer o que queremos fazer, o que com frequência temos.
Razões para aceitar o determinismo moderado
A razão fundamental para aceitar o determinismo moderado é que parece resolver o problema sem violar quaisquer intuições fortemente arreigadas. Ao contrário do libertarianismo, o determinismo moderado é consistente com a tese determinista muito bem estabelecida segundo a qual tudo tem uma causa. Ao contrário do determinismo radical, é consistente com a ideia de que temos justificação para considerar as pessoas moralmente responsáveis pela maior parte das suas acções. Além disto, diz-nos grosso modo as acções pelas quais somos responsáveis (as que não são compelidas) e pelas quais não somos (as que são compelidas) e fornece-nos um critério para decidir em casos particulares (as acções que queremos fazer não são compelidas, ou livres, as acções que não queremos fazer mas fazemos na mesma são compelidas, ou não livres). E fá-lo de um modo tal que está razoavelmente de acordo com a prática diária. Uma vez que, em geral, na vida diária somos desculpados pelas acções compelidas e considerados responsáveis apenas pelas não-compelidas.
Howard Kahane
Retirado de http://www.filedu.com/
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