segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Livre-arbítrio e Determinismo ii

Parte II
Determinismo
LÁZARO: Talvez o melhor seja, antes de começarmos a discutir as nossas posições, definir "determinismo".
CAROLINA: Boa ideia. A minha definição de "determinismo" é: "Tudo o que acontece tem uma causa". Na terminologia da filosofia contemporânea isso é o mesmo que dizer que todo o acontecimento tem uma causa. Incluindo tudo o que fazemos, pensamos ou dizemos.
LÁZARO: Por que usas essa definição e não "As pessoas não têm controlo sobre coisa alguma do que fazem"?
CAROLINA: Porque a questão de saber se temos ou não controlo sobre aquilo que fazemos é diferente da questão de saber se tudo o que fazemos é, ou não, causado. E também porque cada uma destas duas questões é diferente da questão de saber se temos controlo sobre tudo o que fazemos, mesmo que haja uma causa para tudo o que fazemos. Foi por isso que afirmei, anteriormente, que há três questões principais e não duas: 1) Temos, ou não, controlo sobre tudo o que fazemos? 2) Tudo o que fazemos é, ou não causado? E 3) podemos, ou não, ter controlo sobre o que fazemos mesmo que tudo aquilo que fazemos tenha uma causa? Podemos discutir estas três questões, separadamente, do mesmo modo que podemos atribuir três diferentes nomes às suas respostas — "livre arbítrio" se respondermos "sim" à primeira; "determinismo" se respondermos "sim" à segunda; e "compatibilismo" se respondermos "sim" à terceira pergunta.
DANIEL: Em geral, admite-se que o determinismo afirma que as pessoas não têm livre arbítrio, ou não?
CAROLINA: Sim, provavelmente as pessoas pensam que isso é o determinismo. Mas eu penso que aquilo que o determinismo afirma deve ser claramente separado daquilo que ele pode, ou não, implicar. Saber se ele implica, ou não, o livre arbítrio, é uma questão completamente diferente.
LÁZARO: Estás a dizer que devemos definir "determinismo" de um modo relativamente neutro, por exemplo, através da afirmação: "Tudo o que acontece tem uma causa"; para discutirmos primeiro a verdade desta afirmação; e só depois saber se ela implica a negação do livre arbítrio, certo?
CAROLINA: Certo.
LÁZARO: Isso parece um bom procedimento.
DANIEL: Vou começar por apresentar a razão pela qual acredito que tudo o que acontece tem uma causa. Penso que isto é verdade porque há variadíssimos acontecimentos para os quais encontramos causas. Quer na nossa vida diária, quer na ciência, encontramos inúmeros casos de acontecimentos causados.
LÁZARO: Podes dar alguns exemplos?
DANIEL: Claro. O vento faz as árvores quebrarem-se. A chuva causa o crescimento das plantas. A fricção causa calor.
LÁZARO: Podes dar exemplos que envolvam pessoas?
DANIEL: Sim. A fome faz as pessoas comer. O stress causa nervosismo nas pessoas. E por aí fora. São imensas as coisas causadas que nós fazemos, de modo que não podemos fugir à conclusão de que tudo o que nós fazemos tem uma causa.
CAROLINA: Eu concordo.
DANIEL: Além disso, o extraordinário sucesso da ciência em encontrar explicações faz com que seja quase impossível duvidar do determinismo. A biologia diz-nos que o tipo de pessoa que vamos ser é determinado hereditariamente. A sociologia diz-nos que muito daquilo que fazemos é determinado por factores culturais. A psicologia diz-nos que aquilo que nós somos enquanto adultos é determinado, em larga medida, por aquilo que nos aconteceu quando éramos crianças. A psiquiatria diz-nos que os nossos desejos conscientes são o produto de motivos inconscientes. A neurologia diz-nos que aquilo que fazemos é causado por acontecimentos electroquímicos no nosso cérebro. Todas juntas dizem-nos que tudo o que fazemos, dizemos, queremos ou pensamos é inteiramente produzido por acontecimentos prévios...
LÁZARO: ...eu não penso que o determinismo seja verdadeiro...
DANIEL: O que achas que está errado com o argumento?
LÁZARO: Duas coisas. Em primeiro lugar, não acho que ele mostre que tudo o que nós fazemos esteja determinado. Em segundo, parece-me que ignora o facto de que existem dados concretos contra o determinismo.
DANIEL: Pode explicar melhor esses dois pontos?
LÁZARO: Sim. Começo com o primeiro. Ainda que vocês tenham razão quando afirmam que a ciência e as nossas experiências do dia-a-dia nos mostram que muitas das coisas que fazemos estão determinadas, isto não mostra que tudo esteja determinado. Afinal há muitos acontecimentos dos quais nós não conhecemos as causas...
DANIEL: A Carolina e eu não estávamos a defender que já se tinham descoberto todas as causas. O que nós estávamos a dizer era que, a partir do facto de que muitas das coisas que nós fazemos são causadas, é legitimo inferir que tudo o que nós fazemos é causado. Nós fazemos constantemente raciocínios deste tipo. Por exemplo, inferimos que toda a erva no mundo é verde depois de vermos alguma erva verde...
LÁZARO: Bom, isso parece-me ser nada mais do que uma esperança que não está solidamente fundamentada. Mas, além disso, ainda há o meu segundo ponto, nomeadamente, que há efectivamente dados contra o determinismo.
DANIEL: Que dados são esses?
LÁZARO: Os dados resultam das descobertas feitas pelos cientistas num ramo da física chamado «física quântica» ou «microfísica». No início do século XX, os físicos começaram a estudar o comportamento dos electrões, dos fotões e de outras partículas subatómicas. O que descobriram foi que os fotões e os electrões se movimentavam ao acaso. Nada havia que explicasse a razão pela qual um fotão ou um electrão se movia de um determinado modo. Por exemplo, descobriu-se que os electrões por vezes saltavam de um órbita para outra sem uma causa aparente. E numa experiência na qual se disparavam fotões contra uma barreira com dois buracos, descobriu-se que era impossível explicar por que razão os fotões individuais entravam num buraco e não noutro...
DANIEL: Qual é, para ti, o significado dessas novas descobertas?
LÁZARO: Penso que a física quântica revolucionou a nossa visão da realidade. Antes, os cientistas pressupunham que todas as ocorrências eram causalmente explicáveis, mas agora a física quântica mostrou que esta suposição não é verdadeira.
DANIEL: ... Eu sou muito céptico quanto a isso. A única coisa que a física quântica mostrou, pelo menos que eu saiba, é que nós não conhecemos as causas de certos tipos de ocorrências. Mas isto é muito diferente de dizer que se sabe que essas ocorrências não têm causas...

Clifford Williams
Retirado de http://www.criticanarede.com/

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