terça-feira, 15 de novembro de 2016

Livre-arbítrio, Determinismo e Responsabilidade Moral

Temos ou não temos livre-arbítrio? Se não tivermos livre-arbítrio isto significa que agimos como “robots, ou autómatos, sem escolhas próprias”[1], vivemos a agimos de acordo com aquilo que está programado e previsto. Havendo a possibilidade do ser humano viver num mundo assim, onde toda a ação humana fosse predeterminada, poderíamos ser programados para viver uma vida onde praticássemos apenas e só boas ações. Num mundo assim, não haveria responsabilidade moral, nem as nossas ações seriam genuinamente boas, porque já estariam determinadas.
Será que nos é possível fazer uma coisa diferente daquilo que realmente fiz? Será que em função de todas as escolhas possíveis a minha decisão já está determinada? Até ao momento em que escolho nada determina irrevogavelmente a minha escolha?[2]
Se, por um lado, existem coisas que estão determinadas à partida (o sol nascer amanhã), por outro, existem pessoas que acreditam que nunca é possível fazer uma escolha diferente daquilo que de facto fizemos, ou seja, não é possível ter escolhido de outra forma. O “total de experiências, desejos, e conhecimentos de uma pessoa, a sua constituição hereditária, as circunstâncias sociais e a natureza da escolha com que a pessoa se defronta, em conjunto com outros fatores dos quais não pode ter conhecimento, combinam-se todos para fazer com que uma ação particular seja inevitável nessas circunstâncias”[3], esta perspetiva é o determinismo. Não se trata aqui de uma questão de previsibilidade, mas da impossibilidade de ter acontecido de outra maneira, ou seja, “existem leis na Natureza”[4] que determinam a forma como a ação irá decorrer, não havendo possibilidade de acontecer de outra forma.
Para a perspetiva determinista, o conjunto de leis e de circunstâncias faz com que a escolha do agente seja um resultado pré-determinado, não poderia ser de outra forma. Ao aceitarmos esta perspetiva estaríamos a colocar de lado a responsabilidade moral das nossas ações, ou seja: será possível sermos responsáveis por uma ação que já estava determinada acontecer desse forma e não poderia acontecer de outra forma? Segundo Thomas Nagel “não faria de modo algum sentido condenar fosse quem fosse por fazer alguma coisa má ou elogiá-lo por fazer alguma coisa boa”[5]. Para a perspetiva determinista, quer o elogio quer a condenação não faria qualquer sentido tendo em conta o carácter da inevitabilidade das ações humanas, “tal como a chuva não pode ser elogiada ou condenada por cair”[6].
Ao aceitarmos o determinismo por verdadeiro estamos a ameaçar a responsabilidade e a possibilidade de, livremente, entre as escolhas possíveis, podermos decidir por uma delas.
Contudo, há quem considere que o determinismo é verdadeiro e que ninguém pode ser culpado ou elogiado. Há, igualmente quem considere que o determinismo é verdadeiro e que faz sentido elogiar as boas ações e condenar as más, ou seja, “o facto de alguém estar determinado à partida a portar-se mal não quer dizer que não se tenha comportado mal”[7]. Mas fará algum sentido condenar alguém por algo que não lhe era impossível não fazer? Por outro lado, como será possível “compreender de que modo podemos fazer aquilo que não fazemos”?[8] Será que tudo o que o ser humano faz é determinado pelas circunstâncias em que se encontra e pelas suas condições psicológicas?
Isto significaria que todos pensamos e atuamos da mesma maneira. Mas a verdade é que nem todas as pessoas atuam da mesma maneira perante a mesma dificuldade, nem cada um de nós atua da mesma maneira perante o mesmo problema. Agimos e reagimos de acordo com as circunstâncias, escolhemos e decidimos por determinado caminho e tornamo-nos responsáveis por aquilo que fazemos, de bom e de mau.
Se aceitamos a perspetiva determinista de que tudo está determinado por leis da natureza poderíamos fazer a pergunta pelo mal: de onde vem o mal que fazemos? Seremos realmente responsáveis por aquilo que fazemos? Será possível falar de condenação ou imputabilidade sabendo que o sujeito estava determinado a agir daquela forma e não poderia escolher outra? A inevitabilidade das ações humanas opõe-se assim à possibilidade, não era possível agir de outra forma. Será difícil aceitar esta perspetiva, porque ora nos sentimos encurralados oura nos sentimos marionetas.
Contudo, situada entre estas duas perspetivas, o determinismo e o livre-arbítrio, encontra-se a dimensão ética do agir humano, sobretudo no que à responsabilidade diz respeito. Neste sentido, se as pessoas não têm livre-arbítrio então não são responsáveis pelo que fazem, porque tudo estaria determinado a acontecer dessa forma. Se, por outro lado, aceitamos que temos livre-arbítrio então demos ser responsáveis pelas nossas ações, razão pela qual elas podem ser censuráveis ou louváveis[9]
O facto de dizermos e optarmos pela perspetiva determinista não significa que na mesma não se possa falar de responsabilidade, porque, mesmo que tudo esteja determinado, mesmo que as minhas ações sejam inevitáveis, cada ser humano não deixa de pensar, de ter emoções e intenções e porque “frequentemente temos razões para o que fazemos e isto não deixará de ser assim se não tivermos livre-arbítrio”[10]. Desta forma, a negação do livre-arbítrio e a opção pelo determinismo não significa o fim da ética, porque somos capazes de deliberar, porque “pensamos sobretudo naquilo que queremos e no modo como diversas ações conduziriam a resultados diferentes”[11].
James Rachels apresenta-nos três condições para que uma ação responsável seja: censurável quando – “1) temos de ter realizado o ato em questão, 2) o ato tem de ser errado em algum sentido e 3) temos de não ter uma desculpa para o ter realizado”[12]; será louvável quando – “1) realizou de facto esse ato, 2) foi bom o que tenha realizado e 3) condições eliminadoras de crédito”[13].
A noção comum e importante nas duas considerações de responsabilidade é a noção de desculpa, sendo que quando realizamos ações que mereçam ser louvadas, é difícil encontra uma desculpa para tal, talvez porque as pessoas não evitem ser louvadas. O autor enumera um conjunto de seis desculpas legítimas: engano; acidente; coerção; ignorância; insanidade. A desculpa “tira o peso de cima quando fizemos algo de mal”[14].
Apesar de considerarmos importante salientar esta noção de responsabilidade ao abordarmos o problema do livre-arbítrio, esta mesma noção será, posteriormente, retomada na unidade que versará sobre a dimensão ética (a dimensão ético-política: análise e compreensão da experiência convivencial).
Por fim, ao abordarmos o tema do livre-arbítrio parece-nos importante considerar as condicionantes das ações humanas, queremos com isto dizer que apesar de condicionadas não significa necessariamente que as nossas ações estejam determinadas. Estas condicionantes da ação, como os fatores físico-biológicos, histórico-culturais e psicológicos fazem parte do nosso dia a dia e levantam a questão de se saber se, em função destas condicionantes, se agimos ou não livremente. Será que a existência destas condicionantes determina a ação humana e impede o ser humano do seu livre-arbítrio? A estas perguntas surgem, então, as três possíveis respostas: determinismo radical, determinismo moderado e libertismo. Embora enunciadas nesta aula estas respostas são para ser analisadas e aprofundadas nas aulas seguintes. Será, precisamente, a desconstrução do argumento determinista, pela negação da primeira (Libertismo) e da segunda premissa (Determinismo moderado) que poderá ser formulado da seguinte forma: “(1) Tudo o que fazemos é causado por forças que não controlamos. (2) Se as nossas ações são causadas por forças que não controlamos, então não agimos livremente. (3) Logo, nunca agimos livremente.[15]
Júlio Maria



[1] WARBURTON, Nigel, Elementos Básicos de Filosofia, Coleção Filosofia Aberta, Ed. Gravida, Lisboa, 1998, p. 48.[2] Cf. NAGEL, Thomas, Que quer dizer tudo isto? Uma Iniciação à Filosofia, Coleção Filosofia Aberta, Ed. Gravida, Lisboa, 1997, p. 48.[3] Idem, Ibidem, p, 49.[4] Idem, Ibidem, p. 50.[5] Idem, Ibidem, p. 51.[6] Idem, Ibidem, p. 52.[7] Idem, Ibidem, p. 52.[8] Idem, Ibidem, p. 54.[9] RACHELS, James, Problemas da Filosofia, Coleção Filosofia Aberta, Ed. Gravida, Lisboa, 2009, p. 200-203.[10] Idem, Ibidem, p. 197.[11] Idem, Ibidem, p. 198.[12] Idem, Ibidem, p. 201.[13] Idem, Ibidem, p. 202.[14] Idem, Ibidem, p. 201.[15] Idem, Ibidem, p. 182.

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