A lógica estuda a relação
entre as premissas e a conclusão. Mas o que são exactamente as premissas e as
conclusões? Usam-se frases para especificar as premissas e as conclusões, nos
exemplos dados, mas a premissas e as conclusões não são frases. Isto acontece
porque podemos tomar um argumento dos nossos exemplos, traduzi-lo para
servo-croata e ficamos com o mesmo argumento expresso em línguas diferentes.
Uma vez que o argumento é o mesmo, ao passo que as frases usadas para exprimir
as premissas e a conclusão são diferentes, as premissas e a conclusão não podem
ser frases; são antes o que é expresso pelas frases. Usaremos a noção de
proposição para referir o que uma frase portuguesa e a sua tradução noutra
língua têm em comum: diremos que ambas as frases exprimem a mesma proposição.
Esta noção de proposição aplica-se também no domínio de uma mesma língua. Por
exemplo, percebe-se que “Bruto apunhalou César” e “César foi apunhalado por
Bruto” têm o mesmo significado e podemos transmitir esta ideia, dizendo que
exprimem a mesma proposição.
As proposições são veículos
para enunciar como as coisas são ou como poderiam ter sido. Assim, só as frases
indicativas das quais faça sentido dizer que são verdadeiras ou falsas podem
exprimir proposições. As frases interrogativas não enunciam como as coisas
poderiam ter sido – perguntam antes como são as coisas; como tal, não exprimem
proposições. O mesmo acontece com a s frases imperativas, que prescrevem que as
coisas sejam de certa maneira.
As frases indicativas podem
ser ambíguas. Considere-se a frase “as vacas não gostam de erva”. Esta frase
poderia ser usada para exprimir a falsidade de as vacas não gostarem do que
cresce nos campos. Ou poderia ser usada para exprimir a verdade de as vacas não
gostarem de marijuana. Descreveremos como ambiguidade semântica o tipo de
ambiguidade que resulta do facto de uma palavra de uma frase ter mais de um significado.
Uma frase semanticamente ambígua pode ser usada para exprimir mais de uma
proposição. Geralmente, percebe-se pelo contexto qual das proposições se
pretende exprimir quando uma dessas frases é usada. Com o objectivo de
investigar de forma rigorosa os argumentos, queremos usar uma frase que não
seja ambígua para exprimir que o locutor queria dizer com a frase ambígua.
Considere-se esta frase: toda a gente gosta
de um marinheiro. Nenhuma palavra desta frase é ambígua – no entanto, a frase é
ambígua. Poderia ser usada para afirmar que toda a gente gosta de um marinheiro
(não necessariamente o mesmo), ou que toda a gente gosta de marinheiros.
Chamar-se-á a ambiguidades deste tipo ambiguidades sintácticas. Em geral, estas
ambiguidades podem ser resolvidas reescrevendo a frase ambígua de maneira a originar
duas frases com palavras ordenadas de forma diferente e, possivelmente, também
com diferentes pontuações e/ou diferentes palavras. O exemplo acima pode ser
desambiguado como se segue:
Toda a gente gosta de um marinheiro qualquer.
Toda a gente gosta de marinheiros.
Introduzimos as proposições
como o que as frases exprimem e vimos que, no caso de frases ambíguas, não
podemos dizer a partir da própria frase o que se está a exprimir. Temos de
olhar para o contexto para determinar o que o locutor queria dizer. Se uma
frase contém demonstrativos (isto, aquilo, etc.), pronomes pessoais (eu, ele,
ela, etc.) ou palavras como aqui e agora, teremos de olhar para o contexto para
determinar o que é expresso. Por exemplo, se o leitor usar a frase “Estou com
dores” e eu usar a mesma frase, não exprimimos a mesma coisa. O leitor estará a
dizer que uma certa pessoa, nomeadamente você, está com dores e eu direi que
outra pessoa diferente, nomeadamente eu, está com dores. Captar a proposição
expressa por uma frase exige não apenas que se capte os significados das
palavras usadas, mas também o que é referido através das palavras como eu.
As proposições são itens
abstractos. Os lógicos interessam-se pela relação entre umas proposição ou um
conjunto de proposições – a(s) premissa(s) – e uma outra proposição – a conclusão
– de um argumento. Isto é susceptível de fazer com que a sua profissão apareça
divorciada da actividade humana pois lidam com coisas abstractas, como as proposições.
Esta impressão é enganadora e uma maneira de o perceber é considerar o fenómeno
da crença. Considere-se Icabod, que acredita que os reis têm o direito divino de
governar. Podemos concentrar-nos no seu estado psicológico – o de acreditar em
vez de, digamos, desejar que os reis tenham o direito divino de governar. Nesse
caso, podemos perguntar há quanto tempo acredita Icabod nisso; talvez essa
crença tenha emergido quando estudou história britânica em Oxford. Ou podemos
concentrar-nos no conteúdo da sua crença – naquilo em ele acredita. O conteúdo
da sua crença exprime-se através da frase “Os reis têm o direito divino de governar”.
Podemos encarar a crença como uma relação entre uma pessoa e o que é expresso
por uma frase – nomeadamente, uma proposição. Assim, aquilo em que acreditamos
e aquilo de que tratamos em lógica são a mesma coisa: proposições.
Podemos levar esta conexão
entre a lógica e a crença um pouco mais longe. Um argumento válido é um
argumento no qual, se as premissas forem verdadeiras, a conclusão será também verdadeira.
Se alguém acreditar nas proposições que constituem as premissas de um
argumento, estará obrigado a acreditar na sua conclusão. É claro que por vezes
algumas pessoas não acreditarão na conclusão, ainda que acreditem nas premissas,
por não perceberem que aquela se segue validamente destas. Temos, por isso, de
reformular a conexão: não é racional acreditar nas premissas de um argumento
válido e não acreditar na conclusão. A lógica está então relacionada com a
muito humana actividade da crença, fornecendo um instrumento para avaliar um
aspecto da racionalidade das crenças. Mas não se deve alimentar expectativas
excessivamente altas. A lógica não é um instrumento para determinar aquilo em
que é racional acreditar. Mas diz-nos, pelos menos, que outras crenças para determinar
a racionalidade que devemos ter, se tivermos certas crenças.
NEWTON-SMITH, W. H., Lógica um Curso Introdutório, 2ª edição, 2005. Lisboa: Gradiva, pp.
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