Quando os filósofos ou as
pessoas em geral defendem ideias não apresentam os seus argumentos sob a forma canónica.
Vejamos o seguinte exemplo:
É evidente que a vida é
absurda. Nem se compreende como é possível pensar outra coisa. Se a vida não
fosse absurda, não haveria tanto sofrimento. Pense-se só nos terramotos,
cheias, secas, fome, doenças, etc. Por outro lado, se for tudo uma ilusão, a vida
é absurda. Isto porque ou é verdade que o sofrimento existe ou então é tudo uma
ilusão.
Uma formulação canónica do
argumento é a seguinte:
Ou o sofrimento existe ou é tudo uma ilusão.
Se a vida não for absurda, não haverá
sofrimento.
Se tudo for uma ilusão, a vida é absurda.
Logo, a vida é absurda.
Repare-se no “ruído” que
acompanha o argumento tal como foi formulado originalmente. Por “ruído”
entende-se todo o que não desempenha qualquer papel lógico no argumento, em
nada contribuindo para a sua validade.[1] É muito importante dar
atenção ao “ruído” no estudo da lógica, pois este está geralmente presente nos
argumentos reais, e é necessário saber detectá-lo e eliminá-lo. Evidentemente,
é necessário que os níveis de ruído a introduzir nos exercícios sejam
progressivamente maiores, à medida que se aprende a analisar melhor a
argumentação.
Não há receitas automáticas
para determinar o que é ruído e o que não é. Mas a importância de saber
distinguir o essencial do acessório não podia ser maior, sobretudo se queremos
saber argumentar – condição sem a qual não poderemos intervir de forma rigorosa
em qualquer tipo de discussão.
Exercício
1.
Formule o seguinte argumento na sua forma
canónica, eliminando o ruído: “Será que devemos prender o inocente bode
expiatório para acalmar uma multidão em fúria, que ameaça violência em massa? A
resposta é evidente para qualquer pessoa sensata. Contudo se formos
utilitaristas, termos de dizer que sim, pois feitas as contas as consequências
de prender um inocente são preferíveis ao que pode fazer uma multidão em fúria.
Isto é de tal modo absurdo que constitui, por si, uma refutação ao
utilitarismo.
[1] Mas
dando muitas vezes a impressão contrária – daí que seja necessário aprender a
eliminar o ruído: para conseguir pensar quando o ruído é um convite para parar
de pensar e aceitar o que o autor quer.
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