Por esta razão, a grandeza de alma não é fomentada pelas filosofias que assimilam o universo ao Homem. O conhecimento é uma forma de união do Eu com o não -Eu; como toda a união, é prejudicada pela dominação, e consequentemente por qualquer tentativa para forçar o universo a conformar-se ao que encontramos em nós. Há uma tendência filosófica muito comum favorável à perspectiva que nos diz que o Homem é a medida de todas as coisas, que a verdade é feita pelo homem, que o espaço e o tempo e o mundo dos universais são propriedades da mente e que, se há algo que não seja criado pela mente, é incognoscível e sem importância para nós. Esta perspectiva, se as nossas discussões prévias foram correctas, não é verdadeira; mas além de não ser verdadeira, tem o efeito de roubar à contemplação filosófica tudo o que lhe dá valor, dado que agrilhoa a contemplação ao Eu. Aquilo a que chama conhecimento não é uma união com o não - Eu, mas um conjunto de preconceitos, hábitos e desejos que constituem um véu impenetrável entre nós e o mundo que está para além. O homem que tem prazer em tal teoria do conhecimento é como o homem que nunca deixa o círculo doméstico por ter medo que a sua palavra possa não ser lei.
A verdadeira contemplação filosófica, pelo contrário, encontra a sua satisfação em todo o alargamento do não - Eu, em tudo o que aumenta os objectos contemplados, e desse modo o sujeito que contempla. Na contemplação, tudo o que é pessoal ou privado, tudo o que depende do hábito, do interesse próprio, ou do desejo, distorce o objecto e assim compromete a união que o intelecto procura. Erguendo desse modo uma barreira entre sujeito e objecto, essas coisas pessoais e privadas tornam-se uma prisão para o intelecto. O intelecto livre irá ver como Deus poderia ver, sem um aqui e agora, sem esperanças e receios, sem as peias das crenças costumeiras e dos preconceitos tradicionais, calmamente, desapaixonadamente, no desejo único e exclusivo de conhecimento – conhecimento tão impessoal, tão puramente contemplativo, quanto é possível ao homem alcançar. Logo, também o intelecto livre irá valorizar mais o conhecimento abstracto e universal, no qual os acidentes da história, privada não entram, do que o conhecimento dos sentidos, dependente, como tal conhecimento tem de estar, de um ponto de vista exclusivo e pessoal e de um corpo cujos órgãos dos sentidos distorcem tanto quanto revelam.
A mente que se acostumou à liberdade e imparcialidade da contemplação filosófica irá preservar qualquer coisa dessa liberdade e imparcialidade no mundo da acção e da emoção. Irá ver os seus propósitos e objectivos como partes do todo, com a ausência de obstinação que resulta de os ver como fragmentos infinitesimais num mundo no qual nada do resto é afectado por qualquer dos feitos de um homem. A imparcialidade que, em contemplação, é o desejo sem misturas pela verdade, é a mesmíssima qualidade mental que, em acção, é a justiça, e na emoção é aquele amor universal que pode ser dado a todos, e não apenas aos que se julga serem úteis ou admiráveis. Assim, a contemplação alarga não apenas os objectos dos nossos pensamentos, mas também os objectos das nossas acções e afecções: faz-nos cidadãos do universo, e não apenas de uma cidade murada em guerra com tudo o resto. A verdadeira liberdade do homem, e a sua libertação da servidão de esperanças e receios limitados, consiste nesta cidadania do universo.
Assim, para recapitular a nossa discussão do valor da filosofia: a filosofia é de estudar não por causa de quaisquer respostas definitivas às suas questões, dado que nenhumas respostas definitivas podem, em regra, ser conhecidas como verdadeiras, mas antes por causa das próprias questões; porque estas questões alargam a nossa concepção do que é possível, enriquecem a nossa imaginação intelectual e diminuem a confiança dogmática que fecham a mente contra a especulação; mas acima de tudo porque, através da grandeza do universo que a filosofia contempla, a mente também se torna grandiosa, e torna-se capaz dessa união com o universo que constitui o seu maior bem.
Bertrand Russell, Os Problemas da Filosofia – Edições. 70
A verdadeira contemplação filosófica, pelo contrário, encontra a sua satisfação em todo o alargamento do não - Eu, em tudo o que aumenta os objectos contemplados, e desse modo o sujeito que contempla. Na contemplação, tudo o que é pessoal ou privado, tudo o que depende do hábito, do interesse próprio, ou do desejo, distorce o objecto e assim compromete a união que o intelecto procura. Erguendo desse modo uma barreira entre sujeito e objecto, essas coisas pessoais e privadas tornam-se uma prisão para o intelecto. O intelecto livre irá ver como Deus poderia ver, sem um aqui e agora, sem esperanças e receios, sem as peias das crenças costumeiras e dos preconceitos tradicionais, calmamente, desapaixonadamente, no desejo único e exclusivo de conhecimento – conhecimento tão impessoal, tão puramente contemplativo, quanto é possível ao homem alcançar. Logo, também o intelecto livre irá valorizar mais o conhecimento abstracto e universal, no qual os acidentes da história, privada não entram, do que o conhecimento dos sentidos, dependente, como tal conhecimento tem de estar, de um ponto de vista exclusivo e pessoal e de um corpo cujos órgãos dos sentidos distorcem tanto quanto revelam.
A mente que se acostumou à liberdade e imparcialidade da contemplação filosófica irá preservar qualquer coisa dessa liberdade e imparcialidade no mundo da acção e da emoção. Irá ver os seus propósitos e objectivos como partes do todo, com a ausência de obstinação que resulta de os ver como fragmentos infinitesimais num mundo no qual nada do resto é afectado por qualquer dos feitos de um homem. A imparcialidade que, em contemplação, é o desejo sem misturas pela verdade, é a mesmíssima qualidade mental que, em acção, é a justiça, e na emoção é aquele amor universal que pode ser dado a todos, e não apenas aos que se julga serem úteis ou admiráveis. Assim, a contemplação alarga não apenas os objectos dos nossos pensamentos, mas também os objectos das nossas acções e afecções: faz-nos cidadãos do universo, e não apenas de uma cidade murada em guerra com tudo o resto. A verdadeira liberdade do homem, e a sua libertação da servidão de esperanças e receios limitados, consiste nesta cidadania do universo.
Assim, para recapitular a nossa discussão do valor da filosofia: a filosofia é de estudar não por causa de quaisquer respostas definitivas às suas questões, dado que nenhumas respostas definitivas podem, em regra, ser conhecidas como verdadeiras, mas antes por causa das próprias questões; porque estas questões alargam a nossa concepção do que é possível, enriquecem a nossa imaginação intelectual e diminuem a confiança dogmática que fecham a mente contra a especulação; mas acima de tudo porque, através da grandeza do universo que a filosofia contempla, a mente também se torna grandiosa, e torna-se capaz dessa união com o universo que constitui o seu maior bem.
Bertrand Russell, Os Problemas da Filosofia – Edições. 70
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