1) Haverá de todo em todo uma mesa real?
2) Se sim, que tipo de objecto poderá ser?
Ao considerar estas questões será vantajoso ter alguns termos simples cujo significado é definido e claro. Seja dado o nome «dados dos sentidos» às coisas que são imediatamente conhecidas pela sensação: coisas como cores, sons, cheiros, dureza, rugosidade, e assim por diante. Daremos o nome «sensação» à experiência de estar imediatamente ciente destas coisas. Assim, sempre que vemos uma cor, temos uma sensação da cor, mas a cor em si é um dado dos sentidos e não uma sensação. A cor é aquilo do qual estamos imediatamente cientes, e o próprio estar ciente é a sensação. É claro que para sabermos seja o que for sobre a mesa tem de ser por meio dos dados dos sentidos – cor castanha, forma oblonga, lisura, etc. – que associamos à mesa; mas, pelas razões dadas, não podemos dizer que a mesa é os dados dos sentidos, nem mesmos que os dados dos sentidos são directamente propriedades da mesa. Assim, levanta-se um problema quanto á relação entre os dados dos sentidos e a mesa real, supondo que há tal coisa, temos de considerar a relação entre os dados dos sentidos e os objectos. À colecção de todos os objectos físicos chama-se «matéria». Assim, as duas questões anteriores podem ser reformuladas do seguinte modo:
1) Será que há matéria?
2) Se há qual a sua natureza?
O filósofo que primeiro deu destaque marcado às razões para considerar que os objectos imediatos dos nossos sentidos não existem independentemente de nós foi o bispo Berkeley (1685 -1753). O seu Três Diálogos entre Hilas e Filonous, em Oposição aos Cépticos e Ateus, dedica-se a provar que a matéria é coisa que não existe de modo algum, e que o mundo não é mais do que mentes e as suas ideias. Hilas acreditou até essa altura na matéria, mas não está à altura de Filonous, que o conduz implacavelmente a contradições e paradoxos, tornando a sua própria negação da matéria, no final, como se fosse quase senso comum. Os argumentos usados são muito desiguais em valor: alguns são mais importantes e sólidos, outros são confusos ou dúbios. Mas Berkeley tem o mérito de ter mostrado que a existência da matéria pode ser negada sem absurdo e que se há algumas coisas que existem independentemente de nós, não podem ser os objectos imediatos das nossas sensações.
Há duas questões diferentes envolvidas quando perguntamos se a matéria existe, e é importante que permaneçam claras. Por «matéria» queremos habitualmente dizer algo que se opõe a «mente», algo que pensamos que ocupa espaço e que é radicalmente incapaz de qualquer tipo de pensamento ou consciência. É principalmente neste sentido que Berkeley nega a matéria; ou seja, não nega que os dados dos sentidos que comummente tomamos como sinais da existência da mesa são realmente sinais da existência de algo independente de nós, mas nega que este algo seja não mental, nega que não seja mente nem ideias concebidas numa mente. Admite que tem de haver algo que continua a existir quando saímos da sala ou fechamos os olhos, e que o que chamamos «ver a mesa» nos dá realmente razão para acreditar em algo que persiste mesmo quando não estamos a ver. Mas pensa que este algo não pode ter uma natureza radicalmente diferente do que vemos, e não pode ser completamente independente do ver, apesar de ter de ser independente do nosso ver. Berkeley é assim levado a considerar que a mesa «real» é uma ideia na mente de Deus. Tal ideia tem a permanência e independência de nós que se exige, sem ser – como a matéria seria – algo relativamente incognoscível, no sentido de poder apenas ser inferida, não podendo nós estar cientes dela directa e imediatamente.
Bertrand Russell, Os Problemas da Filosofia, Edições 70-pp 73-75
2) Se sim, que tipo de objecto poderá ser?
Ao considerar estas questões será vantajoso ter alguns termos simples cujo significado é definido e claro. Seja dado o nome «dados dos sentidos» às coisas que são imediatamente conhecidas pela sensação: coisas como cores, sons, cheiros, dureza, rugosidade, e assim por diante. Daremos o nome «sensação» à experiência de estar imediatamente ciente destas coisas. Assim, sempre que vemos uma cor, temos uma sensação da cor, mas a cor em si é um dado dos sentidos e não uma sensação. A cor é aquilo do qual estamos imediatamente cientes, e o próprio estar ciente é a sensação. É claro que para sabermos seja o que for sobre a mesa tem de ser por meio dos dados dos sentidos – cor castanha, forma oblonga, lisura, etc. – que associamos à mesa; mas, pelas razões dadas, não podemos dizer que a mesa é os dados dos sentidos, nem mesmos que os dados dos sentidos são directamente propriedades da mesa. Assim, levanta-se um problema quanto á relação entre os dados dos sentidos e a mesa real, supondo que há tal coisa, temos de considerar a relação entre os dados dos sentidos e os objectos. À colecção de todos os objectos físicos chama-se «matéria». Assim, as duas questões anteriores podem ser reformuladas do seguinte modo:
1) Será que há matéria?
2) Se há qual a sua natureza?
O filósofo que primeiro deu destaque marcado às razões para considerar que os objectos imediatos dos nossos sentidos não existem independentemente de nós foi o bispo Berkeley (1685 -1753). O seu Três Diálogos entre Hilas e Filonous, em Oposição aos Cépticos e Ateus, dedica-se a provar que a matéria é coisa que não existe de modo algum, e que o mundo não é mais do que mentes e as suas ideias. Hilas acreditou até essa altura na matéria, mas não está à altura de Filonous, que o conduz implacavelmente a contradições e paradoxos, tornando a sua própria negação da matéria, no final, como se fosse quase senso comum. Os argumentos usados são muito desiguais em valor: alguns são mais importantes e sólidos, outros são confusos ou dúbios. Mas Berkeley tem o mérito de ter mostrado que a existência da matéria pode ser negada sem absurdo e que se há algumas coisas que existem independentemente de nós, não podem ser os objectos imediatos das nossas sensações.
Há duas questões diferentes envolvidas quando perguntamos se a matéria existe, e é importante que permaneçam claras. Por «matéria» queremos habitualmente dizer algo que se opõe a «mente», algo que pensamos que ocupa espaço e que é radicalmente incapaz de qualquer tipo de pensamento ou consciência. É principalmente neste sentido que Berkeley nega a matéria; ou seja, não nega que os dados dos sentidos que comummente tomamos como sinais da existência da mesa são realmente sinais da existência de algo independente de nós, mas nega que este algo seja não mental, nega que não seja mente nem ideias concebidas numa mente. Admite que tem de haver algo que continua a existir quando saímos da sala ou fechamos os olhos, e que o que chamamos «ver a mesa» nos dá realmente razão para acreditar em algo que persiste mesmo quando não estamos a ver. Mas pensa que este algo não pode ter uma natureza radicalmente diferente do que vemos, e não pode ser completamente independente do ver, apesar de ter de ser independente do nosso ver. Berkeley é assim levado a considerar que a mesa «real» é uma ideia na mente de Deus. Tal ideia tem a permanência e independência de nós que se exige, sem ser – como a matéria seria – algo relativamente incognoscível, no sentido de poder apenas ser inferida, não podendo nós estar cientes dela directa e imediatamente.
Bertrand Russell, Os Problemas da Filosofia, Edições 70-pp 73-75
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