Por que razão Sócrates foi condenado?
No Museu Britânico há uma estátua de Sócrates que pode ter sido esculpida em 330 a.C., apenas sessenta e nove anos após a sua morte. Sócrates é retratado como um homem baixo, musculado e careca, com barba e um nariz largo e achatado. Estes detalhes são compatíveis com aquilo que Platão nos diz sobre a sua aparência. Sócrates nada escreveu, pelo que quase tudo o que sabemos a seu respeito provém de Platão, que era seu discípulo. Nos diálogos de Platão, encontramos Sócrates nos lugares públicos de Atenas a discutir grandes questões da verdade e da justiça com os jovens da cidade. Mas vemo-lo também ser acusado de corromper esses jovens - e depois julgado e condenado à morte. A razão pela qual isso aconteceu é um pouco misteriosa. Os atenienses eram democratas, orgulhosos dos seus feitos e liberdade intelectuais. Por que haveriam de condenar um filósofo à morte por causa daquilo que ele ensinava?
De acordo com Platão, Sócrates foi acusado de «corromper a juventude» e de «impiedade para com os deuses». A primeira acusação é vaga e não nos são dados detalhes. O próprio Sócrates sugeriu, talvez de forma enganadora, que estava a ser acusado apenas de ensinar os jovens a colocar questões. A segunda acusação também parece forçada. Sócrates não era anti-religioso, e no seu julgamento alegou ser fiel nas suas práticas religiosas. Porém, aparentemente tinha opiniões que não eram ortodoxas. O estudioso clássico Gregory Vlastos sugere que, embora ter ideias não convencionais sobre os deuses não fosse suficiente para conduzir a problemas com a justiça, «empurrá-las para as ruas de Atenas», como Sócrates sem dúvida fizera, poderia levá-lo facilmente a meter-se em dificuldades. Ainda assim, a descrição de Platão faz-nos interrogar se esta será a história toda.
De acordo com Platão, Sócrates foi acusado de «corromper a juventude» e de «impiedade para com os deuses». A primeira acusação é vaga e não nos são dados detalhes. O próprio Sócrates sugeriu, talvez de forma enganadora, que estava a ser acusado apenas de ensinar os jovens a colocar questões. A segunda acusação também parece forçada. Sócrates não era anti-religioso, e no seu julgamento alegou ser fiel nas suas práticas religiosas. Porém, aparentemente tinha opiniões que não eram ortodoxas. O estudioso clássico Gregory Vlastos sugere que, embora ter ideias não convencionais sobre os deuses não fosse suficiente para conduzir a problemas com a justiça, «empurrá-las para as ruas de Atenas», como Sócrates sem dúvida fizera, poderia levá-lo facilmente a meter-se em dificuldades. Ainda assim, a descrição de Platão faz-nos interrogar se esta será a história toda.
Por que razão, então, Sócrates foi condenado? Pode ser útil recordar que Sócrates, embora tenha sido venerado pelas gerações posteriores, não era uma figura popular na sua época. Ele próprio sugere que as acusações resultaram do facto de as pessoas não gostarem de si. O Oráculo de Delfos dissera-lhe que ele era o mais sábio dos homens, e Sócrates aceitou o elogio, mas com uma qualificação peculiar. Disse que era sábio porque tinha compreendido como era ignorante. Esta afirmação parece agradavelmente modesta. O problema foi Sócrates ter considerado que a sua « missão divina» era mostar aos outros que também eles eram ignorantes. Numa típica conversa socrática, Sócrates mostrava aos seus interlocutores, para manifesto desagrado destes, que todas as suas opiniões eram erradas. Isto pode ter contribuído para que as pessoas tivessem vontade de o ver em apuros, mesmo que não justifique a sua condenação à morte.
A política também pode ter contribuído. Os atenienses tinham orgulho das suas instituições democráticas, mas Sócrates não partilhava esse sentimento. Segundo Platão, era o crítico mais feroz da democracia. Objectava que a democracia colocava os homens em posição de autoridade não por causa da sua sabedoria ou do seu talento para governar, mas devido à sua capacidade de influenciar as massas com retórica vazia. Numa democracia, aquilo que interessava não era a verdade, mas as relações públicas. Já existiam especialistas nessa área em Atenas. Os professores mais influentes da altura eram os sofistas, que ensinavam a arte da persuasão e eram abertamente cépticos quanto à «verdade». Se tivessem vivido 2400 anos depois, teriam sido spin -doctors, consultores de media ou especialistas de opinião pública.
Se a democracia ateniense fosse estável, a hostilidade de Sócrates poderia ter sido ignorada, do mesmo modo que hoje as democracias ocidentais toleram a crítica. Mas essa democracia não era estável; tinha sofrido uma série de ataques traumáticos. O último deles ocorrera apenas cinco anos antes do julgamento de Sócrates, quando um grupo conhecido por «Trinta Tiranos» - liderado por Crítias, que fora um dos discípulos de Sócrates - organizou um golpe sangrento. No seu julgamento, que ocorreu depois da democracia ter sido restaurada, Sócrates censurou vivamente os trinta Tiranos, chamando-lhes «perversos». Ainda assim, é fácil imaginar que os líderes de Atenas pudessem sentir-se mais confortáveis com Sócrates fora do horizonte.
Tentar explicar um acontecimento que ocorreu há 2400 anos é uma tarefa frustrante, sujeita a uma incerteza ainda maior pelo facto de as diversas pessoas nele envolvidas terem os seus próprios motivos. Quem sabe por que razão os mais de quinhentos jurados votaram como votaram? Platão não ajuda: apresenta-nos o discurso de Sócrates, mas não o dos acusadores. Seja como for, Sócrates foi julgado, considerado culpado e condenado à morte. A sentença parece excessiva, mas em certa medida Sócrates foi responsável por ela. Depois de ter sido considerado culpado, permitiram-lhe, em conformidade com as regras do tribunal, que propusesse o seu próprio castigo. Em vez de sugerir algo razoável, propôs que lhe dessem uma pensão vitalícia pelos serviços prestados ao Estado - os «serviços» eram as actividades pelas quais acabava de ser condenado. Só depois dos seus amigos terem intervindo é que Sócrates se dispôs a pagar uma pequena multa. Não é surpreendente que os jurados tenham aceite a proposta alternativa dos seus acusadores.
No entanto, a sentença não foi assim tão dura, já que ninguém esperava que Sócrates morresse efectivamente. O exílio era uma alternativa informal. Enquanto guardava a excução, deram-lhe meios para fugir. Várias cidades estavam dispostas a recebê-lo e chegaram emissários com dinheiro. Platão faz-nos perceber que ninguém teria impedido Sócrates de fugir. Os seus inimigos queriam forçá-lo a partir e os seus amigos estavam prontos para se despedir de si.
Mas Sócrates não partiu. Em vez disso, começou a examinar as razões para fugir e para não o fazer. Defendera sempre que a nossa conduta se deve guiar pela razão. Em qualquer situação, afirmou, devemos fazer aquilo que tem as melhores razões do seu lado. Aqui estava, então, o teste decisivo ao seu compromisso com essa ideia. Enquanto a carruagem aguardava, disse a Críton que partiria se os melhores argumentos fossem para partir, mas que ficaria se os melhores argumentos fossem para ficar. Depois, tendo examinado a questão de todas as perspectivas, Sócrates concluiu que não poderia justificar a desobediência à ordem do tribunal. Por isso ficou, bebeu a cicuta - o veneno prescrito pelo tribunal - e morreu. Talvez pressentisse que o seu acto torná-lo-ia uma figura memorável para as gerações futuras. Avisou os atenienses de que não era a sua reputação, mas a deles, que ficaria manchada pela sua morte.
Problemas da Filosofia, James Rachels - Gradiva, Colecção Filosofia Aberta, pp. 13-17
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