Parte III
3. Absurdo
Muitos filósofos defendem que se Deus não existe, a vida humana é um absurdo. Segundo eles, a condição humana conteria assim uma desarmonia fundamental e imutável. Albert Camus concentrou-se sobre o conflito entre a nossa exigência de que o mundo seja razoável, ordeiro e atento a nós e a realidade do mundo, isto é, o facto de o mundo ser mudo, inexpressivo e indiferente. Thomas Nagel acentua a discrepância entre a insignificância objectiva das nossas vidas e dos nossos projectos e a seriedade e a energia que lhes dedicamos. Como devemos então reagir?
Uma vez que o reconhecimento da indiferença do universo pode ser uma experiência aniquiladora, a ideia do suicídio emerge naturalmente. Se todos os nossos objectivos forem baseados no pressuposto de que a nossa existência ou as nossas acções dizem respeito a uma entidade ou processo mais abrangentes e menos necessitados de validação do que nós próprios, então a descoberta da inexistência de uma tal entidade deixa-nos sem qualquer direcção a seguir. E se além disso pensarmos que qualquer direcção que tomarmos reintroduzirá necessariamente o pressuposto que agora sabemos ser falso, então nessa altura poderá parecer-nos que a única opção que evita a contradição é o suicídio. No entanto, Camus (1955) pensava que há um modo de vida que não é contraditório. Descreveu o «homem absurdo» como aquele que vive «sem apelo», desafiando a indiferença que o mundo lhe oferece. Uma pessoa assim abraça a vida o mais plenamente possível, mas sem nunca esquecer ou negar a ausência de algum fundamento racional para a mesma.
Nagel dá-nos uma resposta mais suave (1971): o reconhecimento da nossa insignificância é uma função da capacidade distintamente humana de adoptarmos uma perspectiva externa sobre nós próprios; como tal, não há qualquer razão para tentar negá-la ou para dela fugir. Ao mesmo tempo, se as nossas vidas são cosmicamente insignificantes, também o é a maneira como respondemos a este facto. À luz deste argumento, sugere Nagel, a atitude de desafio parece excessivamente exagerada e dramática, sendo a ironia mais apropriada.
Richard Taylor (1970) retira uma moral diferente do silêncio do universo: o reconhecimento de que a vida seria, por assim dizer, objectivamente desprovida de sentido, deveria convencer-nos a deslocar a nossa procura de sentido para o interior. O tipo de sentido da vida que importa ter em consideração é um sentido para nós. A vida tem sentido se pudermos ocupar-nos de actividades que achamos serem significativas; de outro modo, não.
Todos estes filósofos partilham a ideia de que se não há nada mais vasto e mais intrinsecamente válido do que nós próprios, algo a que nos possamos ligar de uma forma positiva, então a vida não tem sentido pelo menos numa acepção importante. Nisto concordam com quem tem uma ideia positiva do sentido da vida baseada na existência de um Deus benevolente. Uma vez que também acreditam que a condição para o sentido não pode ser encontrada, e que ainda assim devemos viver como se a vida tivesse sentido, concluem que a vida humana é absurda. No entanto, e tal como Joel Feinberg (1992) assinala, há uma diferença entre uma situação absurda e uma pessoa absurda. Ao tomarmos uma atitude face ao nosso dilema, quer desafiante quer irónica, ou uma qualquer terceira alternativa, pelo menos podemos livrar-nos de ser ridículos.
Porém, em termos racionais, não é claro que tenhamos que fazer até esta concessão relativamente não pessimista ao pensamento de que a vida humana é absurda. Tal como vimos, esta concepção assenta na ideia de que há um conflito inelutável entre o que exigimos ou que inevitavelmente pressupomos acerca do nosso lugar no universo e a realidade da nossa situação. Todavia, a tendência para desejar ou insistir na nossa importância cósmica pode ser menos profunda e inevitável do que estes filósofos pensam. Enfrentar as dificuldades da vida e tentar realizar projectos com energia e dedicação são práticas que não precisam de ser baseadas numa megalomania. Não é pelo menos óbvio que quando o atleta olímpico se esforça até ao limite na tentativa de atingir um recorde mundial, ou quando uma mãe põe de lado o seu sono e o seu conforto para alimentar a sua criança, o façam com base na crença de que estes feitos terão um significado cósmico.
Muitos filósofos defendem que se Deus não existe, a vida humana é um absurdo. Segundo eles, a condição humana conteria assim uma desarmonia fundamental e imutável. Albert Camus concentrou-se sobre o conflito entre a nossa exigência de que o mundo seja razoável, ordeiro e atento a nós e a realidade do mundo, isto é, o facto de o mundo ser mudo, inexpressivo e indiferente. Thomas Nagel acentua a discrepância entre a insignificância objectiva das nossas vidas e dos nossos projectos e a seriedade e a energia que lhes dedicamos. Como devemos então reagir?
Uma vez que o reconhecimento da indiferença do universo pode ser uma experiência aniquiladora, a ideia do suicídio emerge naturalmente. Se todos os nossos objectivos forem baseados no pressuposto de que a nossa existência ou as nossas acções dizem respeito a uma entidade ou processo mais abrangentes e menos necessitados de validação do que nós próprios, então a descoberta da inexistência de uma tal entidade deixa-nos sem qualquer direcção a seguir. E se além disso pensarmos que qualquer direcção que tomarmos reintroduzirá necessariamente o pressuposto que agora sabemos ser falso, então nessa altura poderá parecer-nos que a única opção que evita a contradição é o suicídio. No entanto, Camus (1955) pensava que há um modo de vida que não é contraditório. Descreveu o «homem absurdo» como aquele que vive «sem apelo», desafiando a indiferença que o mundo lhe oferece. Uma pessoa assim abraça a vida o mais plenamente possível, mas sem nunca esquecer ou negar a ausência de algum fundamento racional para a mesma.
Nagel dá-nos uma resposta mais suave (1971): o reconhecimento da nossa insignificância é uma função da capacidade distintamente humana de adoptarmos uma perspectiva externa sobre nós próprios; como tal, não há qualquer razão para tentar negá-la ou para dela fugir. Ao mesmo tempo, se as nossas vidas são cosmicamente insignificantes, também o é a maneira como respondemos a este facto. À luz deste argumento, sugere Nagel, a atitude de desafio parece excessivamente exagerada e dramática, sendo a ironia mais apropriada.
Richard Taylor (1970) retira uma moral diferente do silêncio do universo: o reconhecimento de que a vida seria, por assim dizer, objectivamente desprovida de sentido, deveria convencer-nos a deslocar a nossa procura de sentido para o interior. O tipo de sentido da vida que importa ter em consideração é um sentido para nós. A vida tem sentido se pudermos ocupar-nos de actividades que achamos serem significativas; de outro modo, não.
Todos estes filósofos partilham a ideia de que se não há nada mais vasto e mais intrinsecamente válido do que nós próprios, algo a que nos possamos ligar de uma forma positiva, então a vida não tem sentido pelo menos numa acepção importante. Nisto concordam com quem tem uma ideia positiva do sentido da vida baseada na existência de um Deus benevolente. Uma vez que também acreditam que a condição para o sentido não pode ser encontrada, e que ainda assim devemos viver como se a vida tivesse sentido, concluem que a vida humana é absurda. No entanto, e tal como Joel Feinberg (1992) assinala, há uma diferença entre uma situação absurda e uma pessoa absurda. Ao tomarmos uma atitude face ao nosso dilema, quer desafiante quer irónica, ou uma qualquer terceira alternativa, pelo menos podemos livrar-nos de ser ridículos.
Porém, em termos racionais, não é claro que tenhamos que fazer até esta concessão relativamente não pessimista ao pensamento de que a vida humana é absurda. Tal como vimos, esta concepção assenta na ideia de que há um conflito inelutável entre o que exigimos ou que inevitavelmente pressupomos acerca do nosso lugar no universo e a realidade da nossa situação. Todavia, a tendência para desejar ou insistir na nossa importância cósmica pode ser menos profunda e inevitável do que estes filósofos pensam. Enfrentar as dificuldades da vida e tentar realizar projectos com energia e dedicação são práticas que não precisam de ser baseadas numa megalomania. Não é pelo menos óbvio que quando o atleta olímpico se esforça até ao limite na tentativa de atingir um recorde mundial, ou quando uma mãe põe de lado o seu sono e o seu conforto para alimentar a sua criança, o façam com base na crença de que estes feitos terão um significado cósmico.
Susan Wolf
Retirado de http://www.aartedepensar.com/
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