Temos ou não temos livre-arbítrio?
Se não tivermos livre-arbítrio isto significa que agimos como “robots, ou
autómatos, sem escolhas próprias”[1], vivemos
a agimos de acordo com aquilo que está programado e previsto. Havendo a
possibilidade do ser humano viver num mundo assim, onde toda a ação humana
fosse predeterminada, poderíamos ser programados para viver uma vida onde
praticássemos apenas e só boas ações. Num mundo assim, não haveria
responsabilidade moral, nem as nossas ações seriam genuinamente boas, porque já
estariam determinadas.
Será que nos é possível fazer uma
coisa diferente daquilo que realmente fiz? Será que em função de todas as
escolhas possíveis a minha decisão já está determinada? Até ao momento em que
escolho nada determina irrevogavelmente a minha escolha?[2]
Se, por um lado, existem coisas que
estão determinadas à partida (o sol nascer amanhã), por outro, existem pessoas
que acreditam que nunca é possível fazer uma escolha diferente daquilo que de
facto fizemos, ou seja, não é possível ter escolhido de outra forma. O “total
de experiências, desejos, e conhecimentos de uma pessoa, a sua constituição
hereditária, as circunstâncias sociais e a natureza da escolha com que a pessoa
se defronta, em conjunto com outros fatores dos quais não pode ter
conhecimento, combinam-se todos para fazer com que uma ação particular seja
inevitável nessas circunstâncias”[3], esta
perspetiva é o determinismo. Não se trata aqui de uma questão de
previsibilidade, mas da impossibilidade de ter acontecido de outra maneira, ou
seja, “existem leis na Natureza”[4] que
determinam a forma como a ação irá decorrer, não havendo possibilidade de
acontecer de outra forma.
Para a perspetiva determinista, o
conjunto de leis e de circunstâncias faz com que a escolha do agente seja um
resultado pré-determinado, não poderia ser de outra forma. Ao aceitarmos esta
perspetiva estaríamos a colocar de lado a responsabilidade moral das nossas
ações, ou seja: será possível sermos responsáveis por uma ação que já estava
determinada acontecer desse forma e não poderia acontecer de outra forma?
Segundo Thomas Nagel “não faria de modo algum sentido condenar fosse quem fosse
por fazer alguma coisa má ou elogiá-lo por fazer alguma coisa boa”[5]. Para a
perspetiva determinista, quer o elogio quer a condenação não faria qualquer
sentido tendo em conta o carácter da inevitabilidade das ações humanas, “tal
como a chuva não pode ser elogiada ou condenada por cair”[6].
Ao aceitarmos o determinismo por
verdadeiro estamos a ameaçar a responsabilidade e a possibilidade de,
livremente, entre as escolhas possíveis, podermos decidir por uma delas.
Contudo, há quem considere que o
determinismo é verdadeiro e que ninguém pode ser culpado ou elogiado. Há,
igualmente quem considere que o determinismo é verdadeiro e que faz sentido
elogiar as boas ações e condenar as más, ou seja, “o facto de alguém estar
determinado à partida a portar-se mal não quer dizer que não se tenha comportado mal”[7]. Mas
fará algum sentido condenar alguém por algo que não lhe era impossível não
fazer? Por outro lado, como será possível “compreender de que modo podemos
fazer aquilo que não fazemos”?[8] Será que
tudo o que o ser humano faz é determinado pelas circunstâncias em que se
encontra e pelas suas condições psicológicas?
Isto significaria que todos
pensamos e atuamos da mesma maneira. Mas a verdade é que nem todas as pessoas
atuam da mesma maneira perante a mesma dificuldade, nem cada um de nós atua da
mesma maneira perante o mesmo problema. Agimos e reagimos de acordo com as
circunstâncias, escolhemos e decidimos por determinado caminho e tornamo-nos
responsáveis por aquilo que fazemos, de bom e de mau.
Se aceitamos a perspetiva
determinista de que tudo está determinado por leis da natureza poderíamos fazer
a pergunta pelo mal: de onde vem o mal que fazemos? Seremos realmente
responsáveis por aquilo que fazemos? Será possível falar de condenação ou
imputabilidade sabendo que o sujeito estava determinado a agir daquela forma e
não poderia escolher outra? A inevitabilidade das ações humanas opõe-se assim à
possibilidade, não era possível agir de outra forma. Será difícil aceitar esta
perspetiva, porque ora nos sentimos encurralados oura nos sentimos marionetas.
Contudo, situada entre estas duas
perspetivas, o determinismo e o livre-arbítrio, encontra-se a dimensão ética do
agir humano, sobretudo no que à responsabilidade diz respeito. Neste sentido,
se as pessoas não têm livre-arbítrio então não são responsáveis pelo que fazem,
porque tudo estaria determinado a acontecer dessa forma. Se, por outro lado,
aceitamos que temos livre-arbítrio então demos ser responsáveis pelas nossas
ações, razão pela qual elas podem ser censuráveis
ou louváveis[9].
O facto de dizermos e optarmos pela
perspetiva determinista não significa que na mesma não se possa falar de
responsabilidade, porque, mesmo que tudo esteja determinado, mesmo que as
minhas ações sejam inevitáveis, cada ser humano não deixa de pensar, de ter
emoções e intenções e porque “frequentemente temos razões para o que fazemos e
isto não deixará de ser assim se não tivermos livre-arbítrio”[10]. Desta
forma, a negação do livre-arbítrio e a opção pelo determinismo não significa o
fim da ética, porque somos capazes de deliberar,
porque “pensamos sobretudo naquilo que queremos e no modo como diversas ações
conduziriam a resultados diferentes”[11].
James Rachels apresenta-nos três
condições para que uma ação responsável seja: censurável quando – “1) temos de
ter realizado o ato em questão, 2) o ato tem de ser errado em algum sentido e
3) temos de não ter uma desculpa para o ter realizado”[12]; será
louvável quando – “1) realizou de facto esse ato, 2) foi bom o que tenha
realizado e 3) condições eliminadoras de crédito”[13].
A noção comum e importante nas duas
considerações de responsabilidade é a noção de desculpa, sendo que quando
realizamos ações que mereçam ser louvadas, é difícil encontra uma desculpa para
tal, talvez porque as pessoas não evitem ser louvadas. O autor enumera um
conjunto de seis desculpas legítimas: engano; acidente; coerção; ignorância;
insanidade. A desculpa “tira o peso de cima quando fizemos algo de mal”[14].
Apesar de considerarmos importante
salientar esta noção de responsabilidade ao abordarmos o problema do
livre-arbítrio, esta mesma noção será, posteriormente, retomada na unidade que
versará sobre a dimensão ética (a dimensão ético-política: análise e
compreensão da experiência convivencial).
Por fim, ao abordarmos o tema do
livre-arbítrio parece-nos importante considerar as condicionantes das ações
humanas, queremos com isto dizer que apesar de condicionadas não significa
necessariamente que as nossas ações estejam determinadas. Estas condicionantes
da ação, como os fatores físico-biológicos, histórico-culturais e psicológicos
fazem parte do nosso dia a dia e levantam a questão de se saber se, em função
destas condicionantes, se agimos ou não livremente. Será que a existência
destas condicionantes determina a ação humana e impede o ser humano do seu livre-arbítrio?
A estas perguntas surgem, então, as três possíveis respostas: determinismo
radical, determinismo moderado e libertismo. Embora enunciadas nesta aula estas
respostas são para ser analisadas e aprofundadas nas aulas seguintes. Será,
precisamente, a desconstrução do argumento determinista, pela negação da
primeira (Libertismo) e da segunda premissa (Determinismo moderado) que poderá
ser formulado da seguinte forma: “(1) Tudo o que fazemos é causado por forças
que não controlamos. (2) Se as nossas ações são causadas por forças que não
controlamos, então não agimos livremente. (3) Logo, nunca agimos livremente.[15]”
Júlio Maria
[1]
WARBURTON, Nigel, Elementos Básicos de
Filosofia, Coleção Filosofia Aberta, Ed. Gravida, Lisboa, 1998, p. 48.[2]
Cf. NAGEL, Thomas, Que quer dizer tudo
isto? Uma Iniciação à Filosofia, Coleção Filosofia Aberta, Ed. Gravida,
Lisboa, 1997, p. 48.[3] Idem, Ibidem, p, 49.[4] Idem, Ibidem, p. 50.[5] Idem, Ibidem, p. 51.[6] Idem, Ibidem, p. 52.[7] Idem, Ibidem, p. 52.[8] Idem, Ibidem, p. 54.[9] RACHELS,
James, Problemas da Filosofia,
Coleção Filosofia Aberta, Ed. Gravida, Lisboa, 2009, p. 200-203.[10] Idem, Ibidem, p. 197.[11] Idem, Ibidem, p. 198.[12] Idem, Ibidem, p. 201.[13] Idem, Ibidem, p. 202.[14] Idem, Ibidem, p. 201.[15] Idem, Ibidem, p. 182.