As nossas capacidades analíticas estão muitas vezes já altamente desenvolvidas antes de termos aprendido muita coisa acerca do mundo, e por volta dos catorze anos muitas pessoas começam a pensar por si próprias em problemas filosóficos — sobre o que realmente existe, se nós podemos saber alguma coisa, se alguma coisa é realmente correta ou errada, se a vida faz sentido, se a morte é o fim. Escreve-se acerca destes problemas desde há milhares de anos, mas a matéria-prima filosófica vem directamente do mundo e da nossa relação com ele, e não de escritos do passado. É por isso que continuam a surgir uma e outra vez na cabeça de pessoas que não leram nada acerca deles.
[...] Não discutirei os grandes escritos filosóficos do passado nem o contexto cultural desses escritos. O núcleo da filosofia reside em certas questões que o espírito reflexivo humano acha naturalmente enigmáticas, e a melhor maneira de começar o estudo da filosofia é pensar diretamente sobre elas. Uma vez feito isso, encontramo-nos numa posição melhor para apreciar o trabalho de outras pessoas que tentaram solucionar os mesmos problemas.
A filosofia é diferente da ciência e da matemática. Ao contrário da ciência, não assenta em experimentações nem na observação, mas apenas no pensamento. E ao contrário da matemática não tem métodos formais de prova. A filosofia faz-se colocando questões, argumentando, ensaiando ideias e pensando em argumentos possíveis contra elas, e procurando saber como funcionam realmente os nossos conceitos.
A preocupação fundamental da filosofia é questionar e compreender ideias muito comuns que usamos todos os dias sem pensar nelas. Um historiador pode perguntar o que aconteceu em determinado momento do passado, mas um filósofo perguntará: «O que é o tempo?» Um matemático pode investigar as relações entre os números, mas um filósofo perguntará: «o que é um número?» Um físico perguntará o que constitui os átomos ou o que explica a gravidade, mas um filósofo irá perguntar como podemos saber que existe qualquer coisa fora das nossas mentes. Um psicólogo pode investigar como as crianças aprendem uma linguagem, mas um filósofo perguntará: «Que faz uma palavra significar qualquer coisa?» Qualquer pessoa pode perguntar se entrar num cinema sem pagar está errado, mas um filósofo perguntará: «O que torna uma acção boa ou má?»
Não poderíamos viver sem tomar como garantidas as ideias de tempo, número, conhecimento, linguagem, bem e mal, a maior parte do tempo; mas em filosofia investigamos essas mesmas coisas. O objectivo é levar o conhecimento do mundo e de nós um pouco mais longe. É óbvio que não é fácil. Quanto mais básicas são as ideias que tentamos investigar, menos instrumentos temos para nos ajudar. Não há muitas coisas que possamos assumir como verdadeiras ou tomar como garantidas. Por isso, a filosofia é uma atividade de certa forma vertiginosa, e poucos dos seus resultados ficam por desafiar por muito tempo.
NAGEL, Thomas (1997). Que quer dizer tudo isto? Lisboa: Gradiva, páginas 7 – 9
4 comentários:
A Filosofia é como um puzzle, cada peça é mais uma ideia e uma forma de pensar que completa a disciplina. Não se baseia em factos e corpos reais, mas em crenças e ângulos de vida distintos. A Filosofia vai à origem, ao cerne, vai em direção das questões que nos parecem sempre mais simples, mas que demoramos mais tempo a responder. Com a Filosofia o básico torna-se complexo, e este ciclo faz-nos refletir. Podemos saber fazer contas, podemos saber o que estamos a analisar ao microscópio, podemos até identificar a constelação que estamos a ver no céu, mas devemos sempre saber pensar e usar como objeto de estudo a própria realidade, questionando-nos muitas e muitas vezes. Porque quanto mais algo é questionado, mais é compreendido.
Gostei do texto.
O ser humano é um ser racional, com curiosidade em descobrir mais sobre o que o rodeia. Por observação da realidade, este questiona-se sobre o modo como ela opera e sobre a sua própria existência.
No entanto, para que haja uma sociedade organizada e ordenada, é necessário tomar algumas ideias como garantidas (como a ideia de que possuímos livre-arbítrio e a questão da justificação do estado), que não são refletidas pela maioria das pessoas.
A filosofia que não é mais do que uma atividade que realizamos de forma natural: inquirir-nos sobre a natureza das coisas, de modo a adquirir conhecimento e combater a ignorância de cada um.
Para mim a filosofia é uma disciplina bastante complexa. na minha opinião ela resolve os problemas, mas deixa sempre um "mas", porque normalmente os filosofos conseguem sempre arranjar uma objecção ou qualquer coisa do género. Mas lá no fundo eu compreendo-a, afinal o que os filosofos fazem com a filosofia eu faço com os meus pensamentos, quando eu penso que o filme que criei está correcto, que é quando eu penso que está tudo certo, no final volto a pensar melhor e encontro mais uma objecção...
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