sexta-feira, 17 de abril de 2009

Desejo e sentido da vida iii


Parte III
É bastante deprimente supor que mesmo eros (desejo) é contaminado por thanatos (morte). Mas talvez o vício da abstracção esteja em funcionamento mais uma vez. Se prestarmos atenção a algumas obras de arte, concluímos que o desejo erótico tem a morte no seu centro. Não paramos para reflectir que era o artista que sentia a necessidade do tema dos amantes fatais, suprimindo a referência a quaisquer prazeres e alegrias comuns. O artista tem boas razões para construir Jack e Jill como Romeu e Julieta. Mas provavelmente Jack e Jill são em si bastante mais alegres. A tragédia não é inevitável nem habitualmente desejada.
Do mesmo modo, deslizamos para a abstracção quando perguntamos se a vida em bloco, como se de uma massa informe se tratasse, "tem um sentido", talvez imaginando algum observador externo, o qual até podemos ser nós próprios para além do túmulo, olhando para trás. Preocupa-nos que o observador domine com o seu olhar a totalidade do espaço e do tempo e que a nossa vida encolha até não ser nada, apenas um insignificante e infinitesimal fragmento do todo. "O silêncio desses espaços infinitos aterroriza-me", disse Blaise Pascal (1623-62).
Mas Frank Ramsey (1903-30), o filósofo de Cambridge, respondeu:
Onde eu pareço divergir de alguns dos meus amigos é em conceder pouca importância ao tamanho das coisas. Não me sinto nem um pouco humilhado perante a vastidão dos céus. As estrelas podem ser enormes, mas não podem pensar ou amar; e estas são qualidades que me impressionam bastante mais do que o tamanho. Não me acrescenta qualquer importância o facto de eu pesar 108 quilos.
A minha descrição do mundo é elaborada em perspectiva e não como um modelo em escala. O solo é ocupado por seres humanos e as estrelas são todas tão pequenas como moedas de três dinheiros.
Quando perguntamos se a vida tem sentido, a primeira questão terá de ser: para quem? Para um observador com a totalidade do espaço e do tempo no seu olhar, nada a uma escala humana terá sentido (é difícil imaginar como é que ela pode ser de todo visível — há uma medonha quantidade de espaço lá longe). Mas por que razão a nossa insignificância no interior dessa perspectiva deverá esmagar-nos? Suponha-se em vez disso que temos em mente uma audiência que desceu à nossa medida. Alguém que dedica a sua vida a algum objectivo, como a cura do cancro, pode perguntar se a sua vida tem sentido, e a sua preocupação será se tem sentido para aqueles para quem trabalha. Se o seu trabalho for bem sucedido, ou se a geração seguinte o tiver em conta, a sua vida terá tido sentido. Para algumas pessoas, é dolorosa a ideia de que o seu trabalho possa falhar e não deixar memória. Outros arranjam-se muito bem com isso: afinal, muito, muito poucos mesmo, deixam atrás de si realizações que suscitam a admiração contínua da próxima geração, para não falar das gerações que vierem a seguir. Isto é tristemente verdade mesmo em departamentos de filosofia.
Talvez nos vejamos a nós próprios na posição de juiz: cada um de nós pergunta se a vida tem sentido para si, aqui e agora. E nesse caso a resposta depende. A vida é uma corrente de acontecimentos vividos no interior da qual há frequentemente bastante sentido — para nós próprios e os que nos rodeiam. O arquitecto Mies van der Rohe disse que Deus está nos pormenores e o mesmo é verdade acerca do sentido da vida para nós, aqui e agora. O sorriso do filho significa tudo para a mãe, a carícia significa beatitude para o amante, a mudança de frase significa felicidade para o escritor. O sentido vem da entrega e do prazer, da corrente de pormenores que são importantes para nós. O problema que há com a vida é então o de ela ter demasiado sentido. Todavia, se o estado de espírito é outro, tudo é penoso. Como Hamlet, estamos determinados a esquivar-nos do carnaval humano, não vendo senão a caveira debaixo da pele. É triste quando nos tornamos seres humanos assim e mais uma vez precisamos de um tónico de preferência a um argumento. Ou talvez neste caso, o único bom argumento, numa famosa frase de Hume, é que não há nenhuma maneira de fazer de ti uma pessoa útil ou agradável para ti próprio ou para os outros.
Simon Blackburn

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