Parte II
Vaidade das vaidades, diz o pregador, vaidade das vaidades, tudo é vaidade. Que benefício retira o homem de todo o seu labor na terra?
Acima de tudo, os mortos têm de ser invejados. A morte é preciosa. Melhor seria não ter nascido, mas uma vez nascido, o melhor será morrer depressa.
O perigo aqui consiste naquilo a que o filósofo George Berkeley (1685-1753) chamou o vício da abstracção, "a rede subtil e elegante de ideias abstractas que deixam os espíritos dos homens tão miseravelmente perplexos e enredados". É mais fácil lamentar a natureza irrisória do desejo e as suas inconsistências se não nos centrarmos em nada, mantendo a discussão em termos abstractos. Desse modo, parece desolador se a satisfação do desejo é efémera e o próprio desejo é instável e susceptível de dar origem apenas a mais insatisfação. Mas será que isto é de lamentar? Pensando em termos concretos, supõe que nos apetece um bom jantar e que ele nos deu prazer. Deverá envenenar o prazer que tivemos a reflexão de que o prazer é efémero (o prazer deste jantar não subsistirá para sempre), de que o desejo de um bom jantar não perdura (mais tarde não sentiremos fome) ou é apenas temporariamente satisfeito (iremos querer jantar amanhã outra vez)? A verdade é que a vida não se tornaria melhor se quiséssemos sempre um jantar, ou se, tendo jantado, não quiséssemos mais nenhum jantar, ou se aquele jantar bastasse para toda a vida. Nenhuma destas coisas parece remotamente desejável; logo, porquê lamentarmo-nos se as coisas não são assim?
Se a disposição pessimista abandonar a abstracção de certas ideias, tenderá a concentrar-se em desejos problemáticos, tais como o desejo de riqueza, ou o desejo erótico. É fácil argumentar que estes desejos são intrinsecamente insaciáveis, pelo menos para algumas pessoas durante algum tempo. Da aquisição de riqueza resulta frequentemente ou a exigência de mais riqueza, ou a incapacidade de gozar o que se tem. O nosso bem-estar pode ser destruído pela pobreza, mas a mais breve consideração das vidas dos ricos não sugere que o bem-estar aumenta indefinidamente com mais riqueza. Muitas pessoas são hoje mais ricas do que qualquer pessoa alguma vez foi, mas serão mais felizes? Estatísticas sociais relevantes, como taxas de suicídio, não o sugerem. Os fechados e vigiados guetos dos ricos, como o American Governor's Club, dificilmente permitem testemunhar vidas felizes e invejáveis. E, seguindo Veblen, podemos esperar que o aumento de riqueza simplesmente fará subir a fronteira a partir da qual a vaidade exigirá que os ricos se distingam. Esta é uma das coisas desencorajadoras acerca da desencorajadora ciência económica.
O desejo erótico, outra carta de trunfo dos pessimistas, é notoriamente insatisfeito e incerto, além de que oferece apenas realização parcial. Provavelmente nunca chegaremos a possuir tanto outra pessoa quanto realmente desejaríamos. A arte não tem tido dificuldade em ligar o desejo erótico ao desejo de morte e aniquilação. O próprio amor é uma espécie de morte — o amante é penetrado ou atacado. Nesta tradição, os delírios do amor, especialmente o orgasmo (em francês une petite mort, "uma pequena morte"), são símbolos da morte real. Argumenta-se que as mortes em Tristão e Isolda ou em Romeu e Julieta indicam o desejo oculto dos amantes de extinção conjunta. Na arte é extraordinariamente perigoso ser uma mulher apaixonada, como nos lembra a interminável procissão de Ofélias, Violetas, Toscas e Mimis.
Acima de tudo, os mortos têm de ser invejados. A morte é preciosa. Melhor seria não ter nascido, mas uma vez nascido, o melhor será morrer depressa.
O perigo aqui consiste naquilo a que o filósofo George Berkeley (1685-1753) chamou o vício da abstracção, "a rede subtil e elegante de ideias abstractas que deixam os espíritos dos homens tão miseravelmente perplexos e enredados". É mais fácil lamentar a natureza irrisória do desejo e as suas inconsistências se não nos centrarmos em nada, mantendo a discussão em termos abstractos. Desse modo, parece desolador se a satisfação do desejo é efémera e o próprio desejo é instável e susceptível de dar origem apenas a mais insatisfação. Mas será que isto é de lamentar? Pensando em termos concretos, supõe que nos apetece um bom jantar e que ele nos deu prazer. Deverá envenenar o prazer que tivemos a reflexão de que o prazer é efémero (o prazer deste jantar não subsistirá para sempre), de que o desejo de um bom jantar não perdura (mais tarde não sentiremos fome) ou é apenas temporariamente satisfeito (iremos querer jantar amanhã outra vez)? A verdade é que a vida não se tornaria melhor se quiséssemos sempre um jantar, ou se, tendo jantado, não quiséssemos mais nenhum jantar, ou se aquele jantar bastasse para toda a vida. Nenhuma destas coisas parece remotamente desejável; logo, porquê lamentarmo-nos se as coisas não são assim?
Se a disposição pessimista abandonar a abstracção de certas ideias, tenderá a concentrar-se em desejos problemáticos, tais como o desejo de riqueza, ou o desejo erótico. É fácil argumentar que estes desejos são intrinsecamente insaciáveis, pelo menos para algumas pessoas durante algum tempo. Da aquisição de riqueza resulta frequentemente ou a exigência de mais riqueza, ou a incapacidade de gozar o que se tem. O nosso bem-estar pode ser destruído pela pobreza, mas a mais breve consideração das vidas dos ricos não sugere que o bem-estar aumenta indefinidamente com mais riqueza. Muitas pessoas são hoje mais ricas do que qualquer pessoa alguma vez foi, mas serão mais felizes? Estatísticas sociais relevantes, como taxas de suicídio, não o sugerem. Os fechados e vigiados guetos dos ricos, como o American Governor's Club, dificilmente permitem testemunhar vidas felizes e invejáveis. E, seguindo Veblen, podemos esperar que o aumento de riqueza simplesmente fará subir a fronteira a partir da qual a vaidade exigirá que os ricos se distingam. Esta é uma das coisas desencorajadoras acerca da desencorajadora ciência económica.
O desejo erótico, outra carta de trunfo dos pessimistas, é notoriamente insatisfeito e incerto, além de que oferece apenas realização parcial. Provavelmente nunca chegaremos a possuir tanto outra pessoa quanto realmente desejaríamos. A arte não tem tido dificuldade em ligar o desejo erótico ao desejo de morte e aniquilação. O próprio amor é uma espécie de morte — o amante é penetrado ou atacado. Nesta tradição, os delírios do amor, especialmente o orgasmo (em francês une petite mort, "uma pequena morte"), são símbolos da morte real. Argumenta-se que as mortes em Tristão e Isolda ou em Romeu e Julieta indicam o desejo oculto dos amantes de extinção conjunta. Na arte é extraordinariamente perigoso ser uma mulher apaixonada, como nos lembra a interminável procissão de Ofélias, Violetas, Toscas e Mimis.
Simon Blackburn
Retirado de http://www.criticanarede.com/
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