Parte II
Os animais que são criados para a alimentação são obviamente criados com o objectivo claro de gerarem lucro para o produtor. Nada de surpreendente. Mas as implicações disto são directa e obviamente prejudiciais para os animais. O produtor tem duas maneiras pelas quais pode aumentar o seu lucro. Uma é aumentar os preços dos bens que comercializa, a outra é gastar menos na produção desses bens. Uma vez que há um limite para o valor que as pessoas pagarão pela carne, há uma pressão financeira considerável para reduzir as despesas de produção da carne.
Isto leva compreensivelmente à sobrepopulação nas explorações pecuárias; afinal de contas, quantos mais animais um produtor conseguir encaixar num espaço menor, menos custará a produzir carne. E há pressões semelhantes para limitar o movimento dos animais. Quanto menos os animais se mexerem, menos comem, diminuindo assim a despesa do produtor. Por exemplo, os produtores que criam galinhas tendem a pô-las em gaiolas do tipo "bateria". Oito a dez galinhas são comummente mantidas num espaço mais pequeno do que uma página de jornal. Incapazes de andarem de forma minimamente livre ou mesmo de abrir as suas asas, muito menos de criar um ninho, os animais tornam-se agressivos e atacam-se entre si (Rachels, 1977).
As pessoas comuns parecem igualmente pouco ou nada familiarizadas com o uso extensivo de animais em experiências laboratoriais. Muitas destas experiências são apenas moderadamente significativas; muitas delas envolvem uma dor prolongada para os animais. Por exemplo, N. J. Carlson administrou choques eléctricos de alta voltagem a dezasseis cães e descobriu que o "grupo de alta voltagem" ficava "ansioso" mais depressa. Ou o caso de investigadores no Texas que construíram um pistão pneumático para fazer com que uma bigorna batesse contra os crânios de treze macacos. Quando isso não produzia imediatamente concussões, os investigadores aumentavam a força do pistão até que produzisse problemas cardíacos, hemorragias e lesões cerebrais (Ryder, 1976). Ou ainda o caso de investigadores em Harvard que puseram ratos bebés com ratos adultos esfomeados. Os adultos comeram os bebés. A conclusão dos investigadores: a fome é um móbil importante nos animais. (Isso, é claro, é algo que aprendemos com surpresa; nunca saberíamos deste facto de outro modo.)
As Opções
Como dividimos a nossa absoluta repulsa pelo nosso hipotético João e a sua guilhotina de animais, e a nossa aceitação bastante indiferente do tratamento dos animais nas explorações pecuárias e nos laboratórios científicos e comerciais? Não é imediatamente claro que possamos fazer essa divisão. O que é claro, parece, é que temos três opções, três crenças alternativas sobre o tratamento que dedicamos aos animais. Estas são:
1) Se ficamos indignados com o tratamento do João aos animais abandonados, estamos simplesmente a ser inapropriada ou excessivamente sensíveis ou compassivos. Não devemos sentir aversão por matar, torturar ou usar animais de qualquer modo que nos apeteça, a não ser, como é evidente, que o animal seja propriedade de alguém, isto é, seu animal de companhia.
2) Há razões pelas quais nós devemos tratar os animais não-humanos melhor do que tratamos as pedras; ainda assim, há também razões pelas quais podemos usar os animais não-humanos de maneiras segundo as quais nunca poderíamos usar legitimamente humanos.
3) Nós devemos tratar os animais não-humanos de maneira mais semelhante ao modo como tratamos presentemente os humanos. Muitas das nossas maneiras aceites de tratar os animais são, de facto, moralmente condenáveis.
A primeira posição, parece, é completamente indefensável. Nenhuma pessoa razoável, penso eu, está disposta a adoptar uma posição que defende que torturar animais por divertimento é completamente aceitável; ninguém está disposto a dizer que o João é um membro bem integrado na sociedade. Esta crença, parece, é virtualmente inabalável. A maior parte dos leitores entendeu perfeitamente o que eu queria dizer quando descrevi o comportamento do João como "tortura". Mas esta afirmação seria um absurdo se pensássemos que não há limites morais para o modo como podemos tratar os animais. Então, ficamos com as duas últimas opções. E, é evidente, aquela que escolhermos terá um impacto crucial nas vidas dos humanos e dos outros animais.
Um esclarecimento necessário: dizer que os animais devem ser tratados de maneira mais semelhante ao modo como tratamos os humanos não é o mesmo que dizer que eles devem ser tratados exactamente como os humanos. Por exemplo, nós não precisamos de considerar a hipótese de dar aos animais o direito de voto, o direito de liberdade religiosa, ou o direito de liberdade de expressão. Tanto quanto possa saber, a maior parte dos animais não tem as capacidades necessárias para exercer estes direitos. Contudo, o mesmo é verdade em relação a crianças muito novas e a adultos com sérios casos de deficiência mental. É por isso que também não têm estes direitos: não têm as capacidades requeridas para tal. Ainda assim, o mero facto de que o direito de voto não é concedido a alguns humanos adultos não significa que seja legítimo comê-los ao almoço ou testar champô nos seus olhos. Então, por que razão poderemos assumir que o é para com os animais?
Isto leva compreensivelmente à sobrepopulação nas explorações pecuárias; afinal de contas, quantos mais animais um produtor conseguir encaixar num espaço menor, menos custará a produzir carne. E há pressões semelhantes para limitar o movimento dos animais. Quanto menos os animais se mexerem, menos comem, diminuindo assim a despesa do produtor. Por exemplo, os produtores que criam galinhas tendem a pô-las em gaiolas do tipo "bateria". Oito a dez galinhas são comummente mantidas num espaço mais pequeno do que uma página de jornal. Incapazes de andarem de forma minimamente livre ou mesmo de abrir as suas asas, muito menos de criar um ninho, os animais tornam-se agressivos e atacam-se entre si (Rachels, 1977).
As pessoas comuns parecem igualmente pouco ou nada familiarizadas com o uso extensivo de animais em experiências laboratoriais. Muitas destas experiências são apenas moderadamente significativas; muitas delas envolvem uma dor prolongada para os animais. Por exemplo, N. J. Carlson administrou choques eléctricos de alta voltagem a dezasseis cães e descobriu que o "grupo de alta voltagem" ficava "ansioso" mais depressa. Ou o caso de investigadores no Texas que construíram um pistão pneumático para fazer com que uma bigorna batesse contra os crânios de treze macacos. Quando isso não produzia imediatamente concussões, os investigadores aumentavam a força do pistão até que produzisse problemas cardíacos, hemorragias e lesões cerebrais (Ryder, 1976). Ou ainda o caso de investigadores em Harvard que puseram ratos bebés com ratos adultos esfomeados. Os adultos comeram os bebés. A conclusão dos investigadores: a fome é um móbil importante nos animais. (Isso, é claro, é algo que aprendemos com surpresa; nunca saberíamos deste facto de outro modo.)
As Opções
Como dividimos a nossa absoluta repulsa pelo nosso hipotético João e a sua guilhotina de animais, e a nossa aceitação bastante indiferente do tratamento dos animais nas explorações pecuárias e nos laboratórios científicos e comerciais? Não é imediatamente claro que possamos fazer essa divisão. O que é claro, parece, é que temos três opções, três crenças alternativas sobre o tratamento que dedicamos aos animais. Estas são:
1) Se ficamos indignados com o tratamento do João aos animais abandonados, estamos simplesmente a ser inapropriada ou excessivamente sensíveis ou compassivos. Não devemos sentir aversão por matar, torturar ou usar animais de qualquer modo que nos apeteça, a não ser, como é evidente, que o animal seja propriedade de alguém, isto é, seu animal de companhia.
2) Há razões pelas quais nós devemos tratar os animais não-humanos melhor do que tratamos as pedras; ainda assim, há também razões pelas quais podemos usar os animais não-humanos de maneiras segundo as quais nunca poderíamos usar legitimamente humanos.
3) Nós devemos tratar os animais não-humanos de maneira mais semelhante ao modo como tratamos presentemente os humanos. Muitas das nossas maneiras aceites de tratar os animais são, de facto, moralmente condenáveis.
A primeira posição, parece, é completamente indefensável. Nenhuma pessoa razoável, penso eu, está disposta a adoptar uma posição que defende que torturar animais por divertimento é completamente aceitável; ninguém está disposto a dizer que o João é um membro bem integrado na sociedade. Esta crença, parece, é virtualmente inabalável. A maior parte dos leitores entendeu perfeitamente o que eu queria dizer quando descrevi o comportamento do João como "tortura". Mas esta afirmação seria um absurdo se pensássemos que não há limites morais para o modo como podemos tratar os animais. Então, ficamos com as duas últimas opções. E, é evidente, aquela que escolhermos terá um impacto crucial nas vidas dos humanos e dos outros animais.
Um esclarecimento necessário: dizer que os animais devem ser tratados de maneira mais semelhante ao modo como tratamos os humanos não é o mesmo que dizer que eles devem ser tratados exactamente como os humanos. Por exemplo, nós não precisamos de considerar a hipótese de dar aos animais o direito de voto, o direito de liberdade religiosa, ou o direito de liberdade de expressão. Tanto quanto possa saber, a maior parte dos animais não tem as capacidades necessárias para exercer estes direitos. Contudo, o mesmo é verdade em relação a crianças muito novas e a adultos com sérios casos de deficiência mental. É por isso que também não têm estes direitos: não têm as capacidades requeridas para tal. Ainda assim, o mero facto de que o direito de voto não é concedido a alguns humanos adultos não significa que seja legítimo comê-los ao almoço ou testar champô nos seus olhos. Então, por que razão poderemos assumir que o é para com os animais?
Hugo LaFollette
Retirado de http://www.filedu.com/
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