terça-feira, 21 de junho de 2011

MENTE E CONSCIÊNCIA

Na biologia humana há poucas coisas aparentemente tão triviais como este bem a que chamamos consciência, a fantástica capacidade de ter uma mente equipada com um dono, um protagonista da existência, um eu que analisa o mundo interior e exterior, um agente que parece a postos para a acção.
A consciência não é um mero estado de vigília. Quando acordei não olhei à minha volta distraidamente, apreendendo as imagens e os sons como se a minha mente desperta não pertencesse a ninguém. Pelo contrário, soube, quase de imediato, com pouco ou nenhuma hesitação, sem esforço, que se tratava de mim a bordo de um avião, a minha identidade volante de regresso a Los Angeles com uma longa lista de coisas a fazer antes do fim do dia, consciente de uma estranha combinação entre fadiga de voo e entusiasmo pelo que me esperava, curioso quanto à pista em que iríamos aterrar e atento às variações na potência dos motores que nos aproximavam de terra.
Ter acordado levou ao regresso da minha mente temporariamente perdida, mas agora comigo presente, tanto a propriedade (a mente) como o proprietário (eu) em uníssono. O acordar permitiu-me reemergir e inspeccionar o meu domínio mental, a vasta projecção de um filme mágico, em parte documentário, em parte ficção, a que também chamamos mente humana consciente.
Todos dispomos de livre acesso à consciência. Ela surge com tanta facilidade e abundância nas nossas mentes que não hesitamos nem nos sentimos apreensivos, quando permitimos que seja desligada todas as noites, quando adormecemos, e deixamos que regresse de manhã, quando o despertador toca, pelo menos trezentas e sessenta e cinco vezes por ano, sem contar com as eventuais sestas.
Sem ela, ou seja, sem uma mente dotada de subjectividade, não poderíamos saber que existimos, e muito menos quem somos e aquilo em que pensamos. Se a subjectividade não tivesse surgido, mesmo que de forma muito modesta ao início, em seres vivos muito mais simples do que nós, a memória e o raciocínio provavelmente não se teriam expandido de forma tão prodigiosa como se veio a verificar, e o caminho evolutivo para a linguagem e para a elaborada versão humana da consciência que agora detemos não teria sido aberto.
Embora ainda não tenha apresentado uma definição funcional de consciência, espero não deixar qualquer dúvida quanto ao que significa não ter consciência: na ausência da consciência, a visão pessoal suspende-se; não temos conhecimento da nossa existência; e não sabemos que existe mais alguma coisa. Se a consciência não se tivesse desenvolvido ao longo da evolução, expandindo-se até à sua versão humana, a Humanidade que agora nos é familiar, com todas as suas fragilidades e forças, também não se teria desenvolvido. É arrepiante pensar que uma simples mudança de direcção poderia representar a perda das alternativas biológicas que nos tornam verdadeiramente humanos.

DAMÁSIO, António, O Livro da Consciência – A construção do cérebro consciente, 2010. Lisboa: Temas e Debates / Círculo de Leitores, pp. 19-21

1 comentário:

Edson Carmo disse...

Ainda bem que existe a consciência. As pessoas só precisam tomar consciência dela.

Belo blog!

Edson Carmo
http://edsoncarmo-amor.blogspot.com