sábado, 16 de agosto de 2008

A MORTE iv

Filosofar, dizia Cícero não é senão preparamo-nos para a morte – como já o Sócrates do Fédon o dissera antes dele. É a grandeza que nasce de sermos o único animal que sabe ter de morrer, que nasce pois de termos de nos enfrentar com o máximo da nossa limitação. Eis porque nos surpreende e quase nos diverte que um Paul Nizan ao regressar da URSS tivesse estranhado que a morte fosse também lá um problema… Mas como não? A justiça para as injustiças não atinge a “injustiça” da condição humana… E para quem cultiva a arte da “alegria”, da imediata coragem – a coragem que se admira, já que não pode imitar – só a mediocridade dos panegiristas inventa a superação de um desinteresse para o que há de mais grave na morte.
A importância da morte não deriva da importância da morte: deriva da importância da vida! Destruir uma planta ou um verme não implicará decerto graves questões metafísicas. A morte para um homem, para um verme ou para uma planta, é igual como morte. Mas não é igual quanto à vida que se destruirá aí. Se por reacção entendemos um entravar ou retrotrair o enriquecimento humano em tudo o que é do homem, a mais clara demonstração de reaccionarismo é conseguir que a morte dum homem tenha a importância da de um verme. E é na mediada em que se anula a importância da morte e paralelamente a da vida (que por aquela é posta em causa) que se anula a importância da destruição física do homem. Dizer que a vida humana é um milagre é dizer que é um crime hediondo destruí-la. Mas justamente dizemos que é um milagre porque não temos já quem faça milagres…Que haverá de extraordinário na vida humana, se admitirmos alguém de mais extraordinário que a produza?
Vergílio Ferreira
SARTRE, Jean-Paul; FERREIRA, Vergílio, O Existencialismo é um Humanismo, 2004. Lisboa: Bertrand Editora, pp. 68-70

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